Agenda do Trabalho Digno – Inteligência Artificial e Não discriminação

O ano passado entraram em vigor alterações ao Código de Trabalho que passou a conter normas sobre algoritmos e inteligência artificial (doravante IA), que visam acautelar o risco de discriminação e o risco falta de transparência na tomada de decisões através do recurso a estas tecnologias.
13 de Março, 2024

O artigo 3º do Código de Trabalho, que refere que as normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores passou a integrar também o “Uso de algoritmos, inteligência artificial e matérias conexas, nomeadamente no âmbito do trabalho nas plataformas digitais” (na alínea o). O artigo 24º respeitante ao direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, também passou a incluir a tomada de decisões baseadas em algoritmos ou outros sistemas de IA. O artigo 424.º, que prevê que as comissões de trabalhadores têm direito a informação sobre vários temas, passou a incluir igualmente, na alínea j) do seu n. º1, “Parâmetros, critérios, regras e instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional”. E a mesma previsão passou a constar da alínea d) do n. º1 do artigo 466º, relativo aos direitos de informação e consulta do delegado sindical. Assim, verificamos que a lei consagra um dever de informação do empregador a ser cumprido tanto no plano individual, como no plano coletivo, caso existam comissão de trabalhadores ou delegados sindicais. 

Enquanto no plano coletivo a alteração legislativa parece mais focada no referido dever de informação, reforçado nas últimas alterações ao Código em prol do reforço das relações laborais mais transparentes (com a transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva (UE) 2019/1152, relativa a condições de trabalho transparentes e previsíveis na União Europeia); no plano individual ao referido dever de informação aparece ainda associado um reforço das matérias da igualdade e não discriminação, designadamente na escolha de trabalhadores e candidatos no acesso a emprego e no trabalho, por exemplo para efeitos de recrutamentos, ainda que internos, nas promoções, nas valorizações salariais, nos sistemas de avaliação, na atribuição de escalas de prevenção, na abrangência de um despedimento, entre outros.

Alguns Autores já tinham alertado que o recurso, nas relações de trabalho, a algoritmos e IA, enquanto ferramentas digitais que usam bases de dados existentes, funciona como nova fonte de discriminação direta e indireta, por aqueles transportarem e projetarem os conteúdos constantes dessas bases de dados. Por isso, o legislador admite os processos de decisão automatizada, mas ciente de que os mesmos envolvem riscos, que têm de ser monitorizados por humanos, designadamente a pedido dos trabalhadores visados, que têm o direito a ser informados sobre o modo de utilização dos processos automatizados que os afetem, sem prejuízo da importância da regulamentação específica que deve existir nesta matéria.

Joana Carneiro é especialista em Direito do Trabalho e advogada sócia na JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados

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