Quando o Governo de António Costa, em plena pandemia com a meta de Universalização da Escola Digital, decidiu distribuir computadores a todos os alunos e professores da escola pública, iniciou-se um processo longo, tortuoso, mal executado ou executado sem os recursos necessários, e que inevitavelmente iria desembocar na situação que temos hoje nas escolas. Dados atuais, que são públicos, indicam que, em média, cada escola tem cerca de 30 computadores avariados e a tendência é naturalmente de crescimento deste valor.
Abordo este tema na condição de fundador do projeto Student Keep (https://www.studentkeep.org) que, desde março de 2020, se dedicou a responder à emergência que se viveu a partir do momento em que as escolas, perante uma pandemia terrível e desconhecida, fecharam, sem apelo nem agravo, para as nossas crianças e jovens, tendo tido graves implicações nas aprendizagens e percurso escolar. Não havia outra forma, para além da via digital, de manter a ligação às escolas fechadas e sem respostas e, para uma grande maioria das famílias portuguesas, não havia meios para garantir acesso a essa via digital. Não havia computadores em quantidade necessária nas casas portuguesas.
Desde então, têm sido dias, meses e anos de centenas de voluntários dedicados a esta causa e já com milhares de computadores distribuídos de norte a sul do país, ilhas e ainda em países dos PALOP (como é o caso de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe).
O processo da digitalização da Educação que iniciámos de forma abrupta e provocada em 2020 é, e deve ser, irreversível. Apenas num sentido em que a digitalização deve servir uma melhor Educação, mais moderna, mais eficaz, mais inclusiva e disponível para todos.
O Programa Escola Digital está sustentado em quatro pilares: equipamentos, conectividade, capacitação dos professores e recursos pedagógicos digitais. O que é, percebe-se agora da pior forma, claramente insuficiente. A gestão e manutenção do parque informático que se gerou com esta medida tinham obrigatoriamente de ser acauteladas.
Tomar uma medida da dimensão da que foi tomada, e que visava entregar um computador a todos os alunos em idade escolar, deveria ter sido acompanhada de uma visão que compreende que os computadores se avariam, precisam de manutenção, em alguns casos, desaparecem e até mesmo que têm um tempo médio de vida útil, à partida, possível de prever. Não acautelar todos estes cenários, é, efetivamente, uma atitude desprevenida.
Recentemente foi alvo de notícias o facto de o Ministério da Educação ter lançado um concurso público para a contratação de serviços de reparação de computadores portáteis que ficou sem candidatos. Perante a falta de interessados, o Ministério da Educação lançou, entretanto, um novo concurso para aquisição de mais computadores com vista à substituição dos equipamentos que estão remediável ou irremediavelmente inutilizados. A aquisição de novos equipamentos será sempre necessária, contudo, a ideia que fica, é que andamos sempre a reagir e nunca a agir de acordo com um plano de gestão de um parque informático que, pela sua dimensão e características, exige que seja bastante rigoroso e consistente.
Todos fomos tendo notícias de relatos de escolas que não tinham meios para gerir adequadamente o parque informático que, sem qualquer preparação, lhes foi atribuído. Muitas terão sido as escolas que, por falta desses meios, nem sequer arriscaram atribuir os equipamentos informáticos, que provavelmente tanta falta fariam aos seus alunos.
Em tempo de pandemia era inevitável tomar decisões em reação às circunstâncias tão adversas a que todos estávamos a ser expostos, mas já não se compreende que, após esse período, se tenha continuado a não planear e a não trabalhar preventivamente na gestão de um investimento do Estado que representa já bem mais de 500 milhões de euros.
A Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas reclama a contratação de técnicos de informática para as escolas. Será essa a solução? Terão as direções dos agrupamentos competências para a gestão de parques informáticos? Será a contratação de técnicos de informática, comparada à contratação de psicólogos, a solução para o problema que temos hoje nas escolas? Pensar que resolvemos todos os problemas reparando os computadores que estão avariados é só continuar a agir reagindo e não atuando sobre o problema da forma certa. Estaremos continuamente a atirar dinheiro para cima do problema, sem nunca o conseguir resolver ou controlar.
Recorrendo à experiência acumulada com o Student Keep, defendo a implementação de um plano nacional de economia circular aplicado à Educação, que visa a recuperação de milhares de computadores em fim de vida útil (sector empresarial do Estado e privados) disponíveis no mercado e que podem ser alvo de processos de recondicionamento para, posteriormente, serem colocados ao serviço da Educação. Nesse momento, estaremos a reforçar significativamente a digitalização da Educação observando vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (alguns deles inscritos nas prioridades do Estado Português na Agenda 2030).
Para isso, o Estado pode, desde logo, envolver todos os organismos públicos e empresas públicas e pode, até, lançar algum tipo de incentivo (fiscal ou outro) para que o sector privado possa também fazer parte deste grande plano de digitalização das escolas que se quer nacional e abrangente para que tenha impacto.
Só então poderemos entrar numa discussão séria sobre as virtudes das provas eletrónicas de aferição ou de avaliação nos diferentes anos de escolaridade.
Rui Nuno Castro é Fundador do projeto Student Keep