Ricardo Martinho, Presidente IBM Portugal | @Vitor Gordo – APDC

“Qualquer implementação bem-sucedida de IA requer capacidades em ciência de dados e há uma lacuna de talentos nesta área”

Conversámos com Ricardo Martinho, que nos falou do compromisso da IBM em acelerar a transformação digital em Portugal.
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Para a economia digital portuguesa, a presença da IBM é um pilar fundamental. À frente da operação da ”big blue” está Ricardo Martinho, Presidente da IBM Portugal, um líder que tem conduzido a empresa num caminho de inovação e transformação tecnológica. Na nossa conversa, exploramos os fundamentos da estratégia da IBM para o mercado nacional, os desafios enfrentados no panorama tecnológico em  rápida evolução na Europa e as prioridades que a empresa gostaria de ver na agenda política europeia para os próximos anos.

Ricardo Martinho começa por sublinhar o compromisso da IBM em acelerar a transformação digital em Portugal, fornecendo soluções de cloud híbrida e inteligência artificial (IA), enquanto consolida a sua rede de centros nearshore no país. Destaca a importância de tecnologias emergentes, como IA generativa e computação quântica, para impulsionar a inovação e o crescimento económico.

Quanto aos desafios enfrentados pelas empresas portuguesas na adoção de tecnologias de vanguarda, Ricardo Martinho destaca a escassez de profissionais qualificados, a necessidade de investimento em formação e medidas para combater a fuga de talentos. No entanto, ele vê um grande potencial nas empresas que estão dispostas a abraçar a mudança e destaca a importância da automatização de processos através da IA.

Quanto à regulação de dados na Europa, Ricardo Martinho elogia o rigor do regulamento europeu de inteligência artificial e enfatiza a importância da transparência e da ética na implementação de soluções de IA generativa. O executivo destaca os princípios da IBM em relação à responsabilidade e transparência na IA, bem como a necessidade de envolver diversas partes interessadas no desenvolvimento e implementação destas tecnologias.

Por fim, aceitando o nosso desafio, o Presidente da IBM Portugal destaca cinco prioridades que a IBM gostaria de ver na agenda política europeia para promover a liderança digital e a competitividade da Europa até 2030. Isto inclui reforçar a competitividade digital, investir em inovação e parcerias, promover o comércio aberto, impulsionar o crescimento verde e reduzir a lacuna de talentos digitais.

Através desta conversa com Ricardo Martinho, fica claro que a IBM está firmemente comprometida em liderar a transformação digital em Portugal e na Europa, promovendo a inovação responsável e sustentável em benefício de empresas e sociedade.

Neste momento qual é a estratégia da IBM para o mercado nacional?  

Atualmente, o nosso compromisso é continuar a contribuir para acelerar a transformação digital do nosso país, ajudando as empresas e organismos públicos a modernizar-se e a serem cada vez mais competitivos, através da nossa oferta de soluções de cloud híbrida e IA e de serviços de consultoria. Vamos continuar a consolidar a nossa rede de centros nearshore em Portugal, que conta já com 6 centros em Portugal, e que presta serviços para empresas portuguesas, mas que também passa pela exportação de serviços. É, sem dúvida, uma aposta que visa promover o crescimento económico, a inovação empresarial e a criação de emprego e talentos em Portugal, apoiando os nossos clientes e parceiros de negócio na adoção de novas tecnologias, tais como:

– Inteligência Artificial Generativa: há que promover a sua adoção pelas empresas por forma a que estas tirem o máximo partido desta tecnologia emergente para criarem produtos, serviços e modelos de negócio, para serem mais eficientes e ganharem vantagem competitiva e, – Computação Quântica: temos de desenvolver um ecossistema nacional que permita impulsionar a inovação e o crescimento em diversos setores da economia portuguesa.

Quais têm sido os principais desafios que a IBM tem encontrado no tecido empresarial português com a rápida evolução do cenário tecnológico na Europa?

Quando falamos da adoção e implementação de soluções tecnológicas de vanguarda, diria que a maior parte dos desafios que encontramos em Portugal, são muitos dos mesmos que encontramos na maioria dos países europeus. Diria que a escassez de profissionais qualificados em novas tecnologias, que exige investimento adicional em formação e medidas que combatam a fuga de talentos para o estrangeiro, assim como questões de ética e regulamentação são os grandes desafios.

Mas, em Portugal, muitas são as empresas que sabem muito bem para onde pretendem ir, o caminho que têm de percorrer e as vantagens que estas novas tecnologias lhe trarão para o seu negócio. Obviamente que as empresas que têm um grau tecnológico mais avançado têm uma maior predisposição para se adaptar às mudanças. Quando falamos de IA, na verdade, todas aquelas que têm processos muito rotineiros são, tipicamente, as que conseguem retirar de forma mais rápida maior valor para a sua transformação digital. Automatizar parte desses processos, libertando recursos para áreas de maior valor acrescentado, é uma primeira forma de explorar e perceber o valor da tecnologia. 

Quando falamos de computação quântica, acredito que o nosso país tem o potencial de se posicionar como um dos líderes na Europa, mas há que criar o tal ecossistema que acelere o investimento em investigação e desenvolvimento tirando partido da tecnologia quântica já disponível e há que reforçar algumas iniciativas governamentais fundamentais para a execução de alguns destes projetos.

Que tipologia de empresas e que projetos tem neste momento a IBM em carteira?

Ao longos dos 85 anos de presença em Portugal, que celebrámos em 2023, temos conseguido manter uma carteira diversificada de clientes, abrangendo desde grandes empresas a PMEs, dos mais diversos setores da economia, incluindo empresas privadas e organismos públicos. Os projetos incluem soluções de IA, sustentabilidade, automação, segurança, modernização da Infraestruturas com servidores, storage e IBM Cloud, e serviços de consultoria.

Estamos na fase de adoção do IA generativa por parte das empresas que conselhos dá a IBM as empresas portuguesas na adoção desta tecnologia?

Existe um conjunto vasto de caminhos que poderão contribuir para a adoção mais fácil da IA generativa. Na minha perspetiva, é fundamental, em primeiro lugar, que cada empresa entenda as capacidades e limitações do uso deste tipo de tecnologia, para melhor entender como pode realmente ser aplicada em diferentes cenários para cada negócio. As empresas devem também conseguir identificar Casos de Uso relevantes nos seus setores específicos, o que irá ajudar a direcionar os seus esforços de implementação de uma maneira mais eficaz.

Garantir a utilização de Dados de alta qualidade é também fundamental para o sucesso de qualquer aplicação de IA, incluindo a IA generativa. As empresas devem garantir que têm acesso a conjuntos de dados precisos e relevantes para treinar os seus modelos de IA de forma eficaz, enquanto promovem a transparência e a ética. Na IBM salientamos a importância de ter padrões de transparência e de ética rigorosos na adoção de tecnologias de IA, por exemplo quando se trata da criação de conteúdos ou tomada de decisões automatizadas.

Por último, qualquer implementação bem-sucedida de IA generativa requer muitas vezes capacidades especializadas em ciência de dados e IA e é consensual que se sente uma lacuna de talentos nas áreas tecnológicas. A IBM tem vindo inclusive a disponibilizar programas de formação para ajudar as empresas a desenvolverem as capacidades necessárias nas suas equipas ou fornecer serviços de consultoria para preencher eventuais lacunas.

A adoção da IA generativa muitas vezes envolve um processo interativo de experimentação e de aprendizagem. As empresas devem estar preparadas para testar e ajustar os seus modelos de IA à medida que ganham experiência e clareza sobre como é que esta tecnologia pode ser aplicada nos seus negócios.

A IBM embora seja uma empresa global não deixa de ter a sua essência nos EUA. Como olha na qualidade de líder europeu da empresa, para o facto de a regulamentação de dados estar mais à frente, ou seja, mais confortável para pessoas e empresas versus a americana? Este facto traz algumas vantagens para a estratégia da IBM na Europa?

O regulamento europeu de inteligência artificial tem como objetivo tornar-se o conjunto de leis sobre IA mais completo do mundo. O objetivo de todos é agora garantir que a lei funcione na prática, o que significa que os governos, as empresas e as organizações devemos centrar-se em implementar uma infraestrutura de governança para estarmos preparados para o seu cumprimento.

A IBM congratula os negociadores da UE por terem alcançado este acordo sobre a primeira legislação abrangente do mundo em matéria de IA. Durante muito tempo temos insistido com a UE para que adotasse uma abordagem cuidadosamente equilibrada, centrada na regulação das aplicações de alto risco de IA e, ao mesmo tempo, na promoção da transparência, da explicabilidade e da segurança entre todos os modelos de IA. 

Em comum, partilhamos os objetivos de possibilitar o desenvolvimento seguro e fiável da IA e criar um ecossistema de IA aberto e favorável à inovação, e reconhecemos que tanto os governos como a indústria têm um papel a desempenhar. Há alguns meses, a IBM anunciou a solução watsonx.governance para proporcionar às organizações o conjunto de ferramentas que estas necessitam para gerir o risco, adotar a transparência e antecipar o cumprimento de uma regulação centrada em IA, como é o caso desta. A IBM espera trabalhar com as instituições da UE, governos e outras partes interessadas para apoiar a adoção responsável e a governança da IA, de modo que os seus benefícios sejam amplamente desfrutados pelas empresas e pela sociedade.

Qual tem sido a vossa abordagem nas questões de ética e responsabilidade na implementação de solução IA generativa?

A IBM definiu a sua própria abordagem sobre as questões de ética e responsabilidade em relação à IA, criando princípios de confiança e transparência para ajudar os clientes. A IBM tem três princípios essenciais que determinam a sua abordagem para dados e IA: – O propósito da IA é ser uma extensão da inteligência humana, o que significa que o objetivo não é substituir a inteligência humana com a IA, mas sim, servir de suporte; – Os dados e insights pertencem ao seu criador. Os clientes da IBM podem ter a certeza de que eles são, e somente eles, os proprietários de seus dados; – Os sistemas de IA devem ser transparentes e explicáveis. A IBM acredita que as empresas de tecnologia devem ser claras sobre quem treina os seus sistemas de IA, quais os dados que foram usados e, o mais importante, quais os dados usados nas suas recomendações de algoritmos.

Além disso, a IBM também desenvolveu diversas áreas de foco para orientar a adoção responsável de tecnologias de IA. São elas: – Explicabilidade: um sistema de IA deve ser transparente, particularmente sobre o conteúdo inserido nas recomendações de seu algoritmo, de modo que seja relevante para diversos stakeholders e com diversos objetivos; – Igualdade: refere-se ao tratamento por igual dos indivíduos, ou grupos de indivíduos, por um sistema de IA. Quando devidamente calibrada, a IA pode ajudar os humanos a fazer escolhas mais justas, eliminar os preconceitos humanos e promover a inclusão; – Robustez: os sistemas baseados em IA devem ser ativamente protegidos de ataques, minimizando os riscos de segurança e aumentando a confiança nos resultados do sistema; – Transparência: para reforçar a confiança, os utilizadores devem ser capazes de saber como o serviço funciona, avaliar a sua funcionalidade e compreender os seus pontos fortes e limitações. – Privacidade: os sistemas de IA devem priorizar e proteger a privacidade e os direitos de dados dos consumidores e fornecer garantias explícitas aos utilizadores sobre como os seus dados pessoais serão usados e protegidos.

Neste caminho, temos vindo a envolver as partes interessadas, incluindo especialistas em ética, comunidades afetadas e reguladores, que permitem garantir que as preocupações éticas sejam adequadamente consideradas e abordadas ao longo de todo o processo de desenvolvimento e implementação.  Além disso, a IBM também oferece ferramentas e recursos para auxiliar os seus colaboradores na criação de soluções éticas e responsáveis, assegurando que a IA generativa seja utilizada para o bem de todos.

Entramos num ciclo de mudanças de líderes políticos na Europa, as eleições europeias são em junho. (no final do segundo trimestre). Que prioridades para o setor das TI gostaria de ver definidas na agenda europeia 2024-2029?

A IBM acredita que os líderes da UE deverão focar-se em 5 prioridades para promover a liderança digital e a competitividade da Europa globalmente até 2030 e para o futuro.

1) Há que reforçar a competitividade digital da Europa. Isto significa que os líderes europeus precisam de demonstrar, a nível interno e externo, que a elaboração de políticas responsáveis e a inovação podem andar de mãos dadas. Por isso, encorajamos: a redução das barreiras ao mercado único; a harmonização da legislação em toda a UE; a diferenciação dos modelos de negócio B2B dos B2C no que diz respeito à regulamentação; o foco na governança e na implementação; e evitar políticas que discriminem empresas que estejam fora da UE. 

2) A Europa precisa também de reforçar a sua resiliência através de uma inovação aberta, investimentos e parcerias. Por conseguinte, acreditamos que a UE deve desenvolver quadros de investimento em IA mais ambiciosos e eficazes; incentivar a inovação aberta em IA; reforçar a postura de cibersegurança da Europa para melhor se preparar para ameaças inesperadas; e preparar-se desde já para a era quântica.

3) Deve recuperar a sua política comercial aberta. A UE deve resistir às tendências protecionistas crescentes e preservar o que fez deste continente uma economia forte e competitiva durante décadas: o comércio aberto e o acesso ao mercado. E acreditamos que existem várias políticas que apoiariam este objetivo, tais como salvaguardar o livre fluxo de dados; alinhar-se estreitamente com os seus aliados em matéria de segurança económica; e promover uma estratégia de normalização aberta e colaborativa. 

4) A União Europeia deve promover o crescimento verde. Na corrida para reduzir as emissões, o consumo e os impactos ambientais, a UE deve agora concentrar-se em políticas de crescimento verde que incentivem as empresas a transformar os seus modelos de negócio e operações para se tornarem mais sustentáveis – e competitivas – através da digitalização. Isto significa adotar uma abordagem mais ousada e simples para descarbonizar as indústrias; facilitar o acesso a soluções tecnológicas nas indústrias “tradicionais” e nas pequenas empresas; promover standards verdes internacionais que possam proporcionar benefícios económicos e comerciais tangíveis, juntamente com parceiros globais. 

5) E, por último, a UE precisa de reduzir a lacuna de talentos digitais. Para aumentar o número disponível de talentos e garantir que a transição digital não deixa ninguém para trás, temos também de chegar aos grupos sub-representados nos mercados de trabalho. A contratação com base em competências – analisando as competências e a capacidade de aprendizagem das pessoas e não apenas as suas qualificações formais – tem um grande potencial. Amplia as oportunidades de empregos bem remunerados e gratificantes e cria uma força de trabalho mais diversificada, estimulando a inovação à medida que pessoas com experiências diferentes trazem ideias distintas para a empresa. Dada a necessidade urgente de garantir que as medidas de competências tenham impacto, na IBM apelamos a uma monitorização mais próxima das ações dos Estados-membros; a Europa precisa de garantir que a EU Cyber Academy produz resultados; deverá incentivar a aprendizagem da IA em todo o ensino; e deverá também incluir os trabalhadores na transformação digital da UE e incentivar a contratação com base em competências.

Opinião