PRR: A oportunidade transformadora

Estado e empresas migrarem de uma mera digitalização para um processo de transformação digital, por via do PRR, é crítico para a competitividade e futuro do país. Uma oportunidade singular, que não podemos perder.
10 de Abril, 2024

Há frases de políticos que nos ficam gravadas na memória para sempre. Não falo da exclamativa “porreiro, pá!”, de Sócrates para Barroso, antes da interrogativa “já posso ir ao banco?”, de Costa para von der Leyen. Estávamos em junho de 2021. Em agosto, como o aluno mais bem-comportado do recreio, éramos os primeiros da fila a receber o cheque do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) com reverência. Trazíamos para casa 2,2 mil milhões de euros. Era, então, a primeira tranche, já vamos para a quinta.

No entretanto, muitos terabytes de informação se produziram sobre o Plano que nos iria salvar de tudo e transformar o país. E, desta, é que era mesmo a sério! Ora, passados estes anos, poucas são as notícias positivas e casos de sucesso conhecidos, seja na sua aplicação governamental ou privada. Numa consulta rápida, vemos que, em dois anos, os fundos não chegaram a 10% dos beneficiários, o estado da implementação é deficitário, o Tribunal de Contas alerta para baixa execução, que é “preocupante e crítica”, segundo a Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR, e já vamos no alargamento do prazo de execução para até 2026.

Consultando informação pública, constatamos que Estado e setor público absorvem a esmagadora maioria dos fundos (à data que escrevo estas linhas, a primeira empresa privada beneficiária, com mais de M€1, aparece para lá do quinquagésimo lugar). Sendo a transição digital uma área que me é cara e que, naturalmente, acompanho com grande proximidade, escassa é a verba que chega ao setor privado e, no Estado, a visibilidade que se tem é que a implementação vai pelo caminho da digitalização e não da transformação digital. Como dizia, no início do ano, o atual Ministro de Estado e das Finanças, Miranda Sarmento, “digitalizar burocracia, é digitalizar lixo e problemas”. Pouco mais é que converter papel em PDF -digo agora eu-, perpetuando a pequena corrupção, chutando para o lado uma verdadeira transformação digital da administração pública central e local, que traria simplificação, transparência, escrutínio, interoperabilidade entre ministérios e serviços públicos e ainda produtividade a um setor que parece cristalizado na era da manga de alpaca.

Naturalmente, espera-se que o Governo recém-empossado, do qual faz parte Miranda Sarmento, traga uma nova visão para a transformação digital do Estado, que urge, e leve o acesso de PME ao PRR para um outro patamar. Afinal, são elas, em conjunto com as microempresas, a força-motriz da economia portuguesa.

Estado e empresas migrarem de uma mera digitalização para um processo de transformação digital, por via do PRR, é crítico para a competitividade e futuro do país. Uma oportunidade singular, que não podemos perder. Integrar tecnologia, processos, pessoas e estratégias tem fortes desafios, mas resultados muito relevantes a curto, médio e também a longo prazo.

Tipicamente, quando propomos uma infraestrutura sólida e adequada, capacitação e reciclagem de competências digitais dos recursos humanos, inclusão digital -para que todos tenham igualdade de oportunidades no acesso-, soluções de cibersegurança state of the art, padronização e interoperabilidade entre sistemas, falta um elemento crítico: financiamento. Ora, esse, não é o óbice no contexto PRR.

Bem sei que um estudo da Deloitte diz que os empresários portugueses são os mais pessimistas na capacidade do PRR aumentar a atratividade e competitividade do país, mas, a minha condição otimista (não irritante!) me leva a crer que, agora, temos uma janela de oportunidade para implementar a visão transformadora de que Portugal há décadas clama.

Fernando Amaral é Chairman no Sendys Group

Opinião