O Mundo Mudou com o Anúncio do Apple Intelligence

No dia 10 de Junho, enquanto Portugal gozava o dia de Portugal, e se preparava para os Santos Populares com as tradicionais sardinhadas, do outro lado do mundo dava-se um dos primeiros passos da próxima revolução tecnológica.
17 de Junho, 2024

Em Cupertino, na Califórnia, Tim Cook, CEO da Apple entra em palco para dar início a um dos eventos de tecnologia mais esperados do ano – a Conferência Mundial de Programadores da empresa. Neste evento a empresa anuncia as novas versões dos sistemas operativos e as funcionalidades que em breve chegarão aos seus produtos.

Ao longo dos últimos anos tenho assistido ao vivo à Worldwide Developers Conferência (WWDC internamente conhecida como a Dub Dub) e aproveitado a oportunidade para discustir com os seus executivos a importância dos anúncios. Mas este ano foi especial porque foi talvez o mais importante WWDC na história da empresa e da indústria em muitos anos. Este evento marcou o momento em que a Apple demonstrou como a próxima revolução tecnológica chegará às nossas mãos.

Desde que iniciei a minha carreira na indústria de telecomunicações há mais de 25 anos, assisti a duas grandes revoluções tecnológicas na electrónica de consumo. A primeira foi a massificação dos telemóveis que revolucionaram a forma como passamos a comunicar. A segunda foi a massificação dos smartphones que revolucionaram tudo o resto nas nossas vidas. Com vendas totais perto dos 17 mil milhões de unidades até à data, o smartphone é o produto de electrónica de consumo mais popular e vendido de sempre. Na próxima década assistiremos à terceira revolução tecnológica com a chegada da inteligência artificial aos telefones, PCs, tablets e tudo o resto. No dia 10 de Junho a Apple deu o “pontapé de entrada” nesta jornada.

A empresa começou por anunciar as mais recente novidades dos novos iOS18, iPadOS18, WatchOS 11, macOS Sequoia e VisionOS 2. Mas o mais importante anúncio de todos foi o “Apple Inteligence”, um conjunto de funcionalidades inteligentes e avançadas através da utilização de inteligência artificial e demonstrou vários exemplos que estarão disponíveis para o iPhone, iPad e Mac já este ano. Entre essas funcionalidades destacam-se a sumarização de conteúdos de documentos ou de sites da internet; sumarização ou sugestões de resposta a emails; criação de imagens para documentos ou mensagens e até os Genmojis, a nova geração de Emojis gerados por IA. O Siri, o assistente de voz da Apple, foi “promovido” a assistente digital avançado e vai passar a conversar com o utilizador de forma mais fluente e a executar as ações que lhe são solicitadas de uma forma inteligente, bem como compreender o contexto de cada pedido.

Esta é a primeira vez nas últimas duas décadas, que a Apple se depara com uma tecnologia de tal forma disruptiva que poderá ser potencialmente prejudicial para o seu negócio e para o seu futuro, se não for encarada de uma forma estratégica. Depois do ChatGPT se ter tornado popular na esfera pública e dos principais fabricantes mundiais de PCs e Smartphones terem anunciado os seus produtos com a utlização de IA, a WWDC era a oportunidade para a Apple responder ao criticismo a que estava a ser alvo pelo facto de ainda nada ter anunciado e até ter evitado usar o termo IA nos vários anúncios de produtos que fez nos últimos meses.

As vendas de smartphones, tablets e PCs têm vindo a desacelarar nos últimos anos. Segundo os dados da IDC, cerca de 85% da população na Europa Ocidental possui um smartphone. Com uma taxa de penetração elevada, o aumento de custo de vida, e o facto da maioria dos novos smartphones apenas apresentarem melhorias incrementais, a euforia em trocar de smartphone esvaneceu-se há algum tempo. Longe vão os dias das longas filas à porta das lojas da Apple, quando um novo iPhone era lançado. Contudo, o entusiasmo gerado pelos novos lançamentos é crucial para o negócio da empresa e para a sua marca e a Apple precisa de reavivar o entusiasmo junto dos consumidores.

Integrar IA nas várias plataformas vai permitir à Apple oferecer funcionalidades nunca antes possíveis, bem como experiências totalmente personalizadas e serviços únicos para os seus utilizadores. No entanto, há várias questões se impõem: o “Apple Intelligence” é suficiente para a Apple garantir a sua posição de liderança na era da IA? Como é que a Apple se vai destacar da concorrência e quais os benefícios da parceria com a OpenAI?

Os dispositivos com capacidades de IA serão o segmento com o mais rápido crescimento de vendas para smartphones e PCs. A IDC prevê que os smartphones com IA alcancem 170 milhões de unidades em 2024 (15% das vendas totais), e os PCs com IA representem quase 60% de todas as vendas de PCs até 2027.

Historicamente, a App Store tem estado no centro da proposta de valor do iPhone e do iPad da Apple. O slogan “Há uma App para Isso” tornou-se icónico. No entanto, a IA está prestes a tornar as apps irrelevantes ou a submetê-las para segundo plano.

Actualmente, quanto mais Apps o smartphone for capaz de executar, e quanto mais poderosas as Apps, melhor o smartphone. Contudo, hoje o smartphone já não é “Smart”. Com a IA, quanto melhor o telefone executar o pedido do utilizador sem este ter que abrir qualquer app, melhor este será. Os algoritmos de IA vão permitir que os sistemas operativos consigam “conhecer” o utilizador e “compreender” o contexto de cada um dos seus pedidos. E porque cada utilizador é diferente, o contexto do pedido será diferente, os dados analisados serão diferentes e naturalmente a resposta do telefone, tablet ou PC será diferente. Será uma resposta totalmente personalisada a cada um dos utilizadores.

O controlo total da Apple sobre o seu ecossistema, hardware e software, e a sua integração perfeita, dá-lhe uma vantagem significativa sobre os concorrentes. Isto é particularmente importante quando a experiência será definida por quão melhor o aparelho “conhecer” o utilizador, garantindo ao mesmo tempo que as informações e dados pessoais permanecem privados.

Embora a Apple não seja a primeira a oferecer funcionalidades com IA, está no seu ADN oferecer a experiência perfeita. A IA não só vai oferecer uma melhor experiência, mas também a mais disruptiva, personalizada e privada, e foi exatamente isso que a Apple mostrou hoje com a “Apple Intelligence”. A Apple demonstrou como a IA irá capacitar os utilizadores de várias maneiras, particularmente em torno da produtividade, educação e entretenimento.  

À medida que a voz passa a ser a principal forma de interagir com o iPhone, a Siri foi “promovida” de assistente de voz a assistente digital avançado e vai passar a “conversar” com o utilizador, ao mesmo tempo que consegue aceder aos seus dados nos vários  dispositivos para dar as respostas certa a cada pedido. Este assistente digital conversacional totalmente integrado com todos os dispositivos será um ponto de viragem para todos nós, e acredito que oferecerá uma razão forte a muitos utilizadores para trocarem os seus iPhones nos próximos anos. Outro anúncio que não passou despercebido foi sem dúvida a parceria com a Open AI para que o ChatGPT esteja integrado no sistema operativo. Embora tenham sido várias as críticas a esta parceria, como que se de um reconhecimento das limitações das capacidades técnicas da Apple se tratasse, eu vejo a parceria como uma mudança estratégica importante na cultura da empresa. A Apple não é conhecida por implementar nos seus produtos soluções externas, mas neste caso não está a reconhecer as suas limitações, está a adaptar-se a uma nova realidade. Nenhuma empresa