Um Coelho Tirou a Inteligência da Cartola

Quem hoje conseguiria viver ou trabalhar sem um smartphone ou um computador? Aliás, tudo hoje é ‘smart’: ‘smart’ phones, ‘smart’ TV, ‘smart’ speakers, ‘smart’ watches, ‘smart’ glasses.
8 de Fevereiro, 2024

A utilização de aparelhos electrónicos inteligentes é algo que sempre me fascinou. Todos nós da Geração X, estamos há muito habituados a ver gadgets inteligentes. Afinal de contas crescemos a ver pessoas falar com relógios inteligentes, carros que falam, computadores que tomam decisões, robots polícias e até tablets antes muito de sequer de ecrãs tácteis existirem nas nossas vidas. Claro que estou a falar do imaginário em séries míticas com o Espaço 1999, o Justiceiro ou de filmes como o 2001 Odisseia no Espaço ou o Robocop. Mas será que estas capacidades apenas existentes em ficção vão mesmo ser uma realidade em breve?

Como analista de mercado, as perguntas mais frequentes me fazem na IDC são sempre sobre o futuro da tecnologia. E estas também são as mais fascinantes porque qualquer innovação tecnológica disruptiva tem o potencial de ter um impacto positivo bastante significativo na sociedade, nos negócios e nas nossas vidas de um modo geral. Quem hoje conseguiria viver ou trabalhar sem um smartphone ou um computador? Aliás, tudo hoje é ‘smart’: ‘smart’ phones, ‘smart’ TV, ‘smart’ speakers, ‘smart’ watches, ‘smart’ glasses. Mas à medida que a tecnologia evolve, evolve também a definição de ‘smart’. Aquilo que até agora chamávamos ‘smart’ porque permitia correr aplicações (ou apps), hoje são apenas meros equipamentos com uma capacidade de processamento rápida, uma capacidade de armazenamento gigante e uma capacidade de conectividade alta velocidade (seja móvel, seja por fibra). Inteligência é algo que não abunda nos aparelhos que usamos! E isso já começou a mudar.

Pensemos num exemplo simples do nosso quotidiano. Se passarmos por um cartaz na rua a publicitar um filme e ficarmos com a curiosidade de o ir ver ao cinema, já pensaram na trabalheira que temos que ter? Imaginem as tarefas todas que vamos ter que executar para algo tão mundano e simples, como ir ver um filme. Começo por pesquisar informações do filme no browser; se ficar interessado na sinopse do filme, vou à app do cinema e pesquiso quando e onde está em cartaz. De seguida abro a app do calendário para verificar a minha disponibilidade; envio uma mensagem à minha esposa a perguntar se quer ir; volto à app do cinema para comprar os bilhetes, que recebo por email (ou na app). No dia do filme vou a uma aplicação de mapas e trânsito verificar quanto tempo demoro a chegar ao cinema; envio uma mensagem à minha esposa a dizer que já estou a sair do escritório; quando chego ao cinema vou à app ou email para abrir e mostrar o bilhete. Quantas tarefas conseguem contar? Pelos menos 8! E para não complicar mais nem vou pensar em ir jantar àquele restaurante na zona do cinema que abriu há pouco tempo, porque isso são ainda mais umas tarefas. Acham que isto é inteligência? Isto é meramente termos acesso à informação necessária nas nossas mãos, mas todas as acções para ver o filme são acções manuais executadas num telefone (ou outro aparelho), que por ironia, chamamos ‘smart’!

Agora imaginem se o telefone tivesse a capacidade de agir como um verdadeiro assistente digital ao qual apenas teríamos que dizer “Gostava de ir ver este filme com a minha esposa nas próximas duas semanas” ao mesmo tempo que apontava a câmara ao cartaz do filme. Ah, “e a seguir gostava de ir jantar no novo restaurante que a minha esposa enviou por mensagem”. E tudo seria sugerido e marcado pelo assistente digital de acordo com as minhas confirmações.

Um exemplo desta inteligência foi demonstrado há poucas semanas na maior feira mundial de electrónica de consumo, a CES, que decorreu em Janeiro em Las Vegas. Uma empresa desconhecida até então, a Rabbit (Coelho em Português), uma startup de inteligência artificial, anunciou um pequeno aparelho com o qual interagimos por voz e que controla as principais aplicações que utilizamos. O Rabbit R1 utiliza algoritmos de inteligência artificial que são treinados com base em “Large Language Models” sobre as apps a que dermos acesso e tem a capacidade de agir e executar tarefas em múltiplas dessas apps sem termos sequer de as abrir. Entre várias demonstrações, a mais interessante foi quando o apresentador pediu ao R1 para planear uma visita a Londres com a família com uma simples descrição da viagem: “quero levar a minha família a Londres, 2 adultos e uma criança de 12 anos. Estamos a pensar viajar na primeira semana de Fevereiro. Podes planear a viagem inteira? Quero voos directos baratos, lugares juntos no avião, quero alugar um carro SUV no destino e quero ficar num hotel interessante que tenha WiFi.” Em segundos o R1 apresentou opções de voos, de aluguer de carro e de hotel, ao qual o apresentador apenas teria de confirmar as opções pretendidas e as marcações seriam feitas pelo assistente digital. O apresentador ainda pediu ao Rabbit R1 para sugerir um plano de actividades a fazer em Londres e obteve uma lista de locais a visitar, espectáculos a assistir e restaurantes populares. O R1 ofereceu-se para fazer a compra dos bilhetes e as marcações necessárias.

Isto sim, é inteligência nos nossos aparelhos em acção! E não aconteceu no imaginário de um filme ou série de televisão. O R1 custa $199 (180€) e esgostou nos primeiros dias de lançamento com as vendas a ultrapassarem as 40,000 unidades.

Apesar de ainda haver inúmeras questões sobre o funcionamento doR1 e a fiabilidade dos resultados, já para não falar da necessidade de um novo aparelho (a tecnologia pode muito be estar integrada no telefone), a verdade é que a inteligência está realmente a chegar à nossas mãos. Desde que o ChatGPT foi lançado pela OpenAI, o número de aplicações AI explodiu, mas a grande maioria estão disponíveis apenas no browser e são aplicações isoladas. A partir deste ano vamos começar a assistir ao lançamento de aparelhos electrónicos inteligentes (principalmente smartphones e computadores), ou com capacidades AI e que vão conseguir combinar a utilização dos dados para tomar decisões e acções como um verdadeiro assistente digital nas nossas mãos. O futuro deixou de ser ‘smart’ e está finalmente a começar a ser inteligente!

Francisco Jerónimo é Vice Presidente de Dados e Análises em Devices da IDC EMEA

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