Ucrânia acumula um imenso repositório de valiosos dados de guerra para treinar modelos de IA

No campo de batalha moderno, onde a Inteligência Artificial (IA) está a redefinir a natureza da guerra, a Ucrânia emergiu como um dos principais pioneiros.
20 de Dezembro, 2024

Desde o início da invasão russa em 2022, o país tem acumulado milhões de horas de imagens de drones, criando um vasto repositório de dados que promete revolucionar as capacidades da IA em cenários de conflito.

Oleksandr Dmitriev, fundador da OCHI, um sistema digital ucraniano sem fins lucrativos, revelou à Reuters que a sua plataforma já recolheu mais de dois milhões de horas de vídeos de drones — equivalentes a 228 anos de gravações. Estas imagens, captadas por mais de 15.000 equipas de drones na linha da frente, são “alimento para a IA”, segundo Dmitriev.

“Se quiser ensinar algo a uma IA, dê-lhe 2 milhões de horas de vídeo. Ela tornar-se-á algo sobrenatural”, afirmou Dmitriev.

Os dados recolhidos não apenas documentam a guerra, mas também oferecem uma base para treinar modelos de IA em táticas de combate, identificação de alvos e avaliação da eficácia de sistemas de armas. Dmitriev acredita que esta imensa experiência pode ser traduzida em fórmulas matemáticas que permitem à IA aprender, por exemplo, as melhores trajetórias e ângulos para maximizar o impacto de armas.

IA na guerra: um divisor de águas

A tecnologia IA já desempenha um papel significativo na guerra. Sistemas como o OCHI consolidam imagens de drones em tempo real, proporcionando aos comandantes uma visão abrangente das frentes de combate. Contudo, a verdadeira inovação reside na utilização dos dados acumulados para desenvolver sistemas de IA que tomam decisões autónomas no campo de batalha.

Segundo especialistas, sitados pela Reuters, como Samuel Bendett, do Center for a New American Security, esta riqueza de dados é crucial para ensinar as máquinas a “compreenderem” o que veem. “Humanos fazem isso intuitivamente, mas máquinas precisam de ser treinadas para distinguir uma estrada de um obstáculo natural ou identificar uma emboscada”, explicou.

A precisão e a qualidade das imagens, bem como a escala do conjunto de dados, desempenham um papel fundamental. Kateryna Bondar, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, destacou que a IA aprende a reconhecer alvos através de formas e cores, tornando a riqueza visual do material recolhido pela Ucrânia um trunfo inestimável.

Iniciativas paralelas e avanços tecnológicos

Além do OCHI, a Ucrânia conta com sistemas como o “Avengers”, desenvolvido pelo Ministério da Defesa, que utiliza IA para identificar cerca de 12.000 equipamentos russos por semana. Embora os detalhes sobre este sistema permaneçam confidenciais, é um exemplo de como a centralização de dados e o uso de ferramentas de IA estão a transformar o campo de batalha.

A IA também já é empregue em drones autónomos, capazes de localizar e atingir alvos sem intervenção humana, e em tecnologias para desminar território ucraniano. Empresas locais trabalham ainda no desenvolvimento de enxames de drones, onde um sistema informático pode coordenar dezenas de dispositivos simultaneamente.

Do outro lado do conflito, a Rússia também investe na aplicação de IA, sobretudo em drones de ataque como os Lancet, que demonstraram eficácia contra veículos blindados ucranianos.

Os avanços tecnológicos moldados pelo conflito na Ucrânia têm implicações que vão além do campo de batalha. Dmitriev afirmou a Reuters que representantes de aliados estrangeiros já demonstraram interesse no sistema OCHI, embora não tenha fornecido detalhes.

Para além da guerra, o uso de grandes conjuntos de dados para treinar IA levanta questões éticas e estratégicas sobre o futuro da tecnologia militar. No entanto, Dmitriev mantém-se otimista: “Estamos a criar uma base de conhecimento que pode beneficiar a nossa defesa e contribuir para avanços tecnológicos a nível global.”

À medida que a Ucrânia lidera esta nova frente de inovação, a guerra torna-se um campo de testes para tecnologias que podem moldar os conflitos do futuro — e, potencialmente, redefinir a própria natureza da inteligência artificial.

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