Portugal, um país de pequena dimensão, apresenta um tecido empresarial essencialmente composto por Micro, Pequenas e Médias Empresas e, entre as 1,2 milhões registadas, as Microempresas (organizações com menos de dez colaboradores ativos) representam mais de 40% do emprego gerado.
Este perfil, embora refletindo uma realidade comum de economias de menor escala, tem sido desafiado ao longo das últimas décadas pela globalização e pela crescente abertura aos mercados asiáticos.
No início do século, muitas destas organizações enfrentaram uma crise existencial que obrigou à sua reinvenção. A década de 60, marcada por um dinamismo sem precedentes, foi impulsionada pelo período pós-segunda guerra mundial. Na década de 70, surgiram os primeiros sinais de crise internacional que culminou, em 25 de Abril, com o golpe de estado que colocou fim à ditadura do Estado Novo. Avançando várias décadas até 2010, assiste-se à aprovação da “Estratégia de Fomento Industrial para o Crescimento e o Emprego 2014-2020” baseada na visão de que a subsistência da indústria europeia deveria assentar em mão de obra qualificada, investimento em Investigação e Desenvolvimento e em inovação.
No entanto, as empresas que sobreviveram fizeram-no essencialmente por três razões: o acesso a fundos europeus; uma renovada geração de gestores com formação mais qualificada com a consequente adoção de uma visão estratégica que permitiu a inovação de produtos; e a melhoria dos processos produtivos. Este salto qualitativo contribuiu para uma maior relevância das exportações no PIB, assinalando uma evolução significativa na indústria portuguesa.
Hoje, essa evolução dá à indústria nacional a ambição de se posicionar como protagonista na revolução da Indústria 4.0. Ao contrário das anteriores revoluções industriais, nas quais Portugal nunca conseguiu adotar um posicionamento estratégico, o cenário atual oferece uma janela de oportunidade. Contudo, existem ainda desafios significativos a ultrapassar. Nomeadamente:
- A pequena dimensão das empresas limita a escala e a ambição necessárias para competir globalmente;
- Persistência de um tecido empresarial com baixa qualificação e valor acrescentado;
- Significativa dependência de fundos europeus para investimento e inovação.
Apesar destes obstáculos, a Indústria 4.0 representa uma oportunidade única para Portugal. O país beneficia de condições favoráveis, como a capacidade de implementar soluções tecnológicas de forma praticamente greenfield, sem os constrangimentos impostos por infraestruturas ou processos legacy. Entre as vantagens competitivas destacam-se:
- Rapidez e Flexibilidade: A capacidade de personalizar produtos e responder rapidamente às exigências específicas dos clientes é um fator diferenciador absolutamente essencial no contexto de um mercado global dinâmico e incerto.
- Sustentabilidade: A adoção direta de tecnologias verdes permite à indústria reduzir impactos ambientais e promover práticas mais responsáveis.
- Dados como ativo: A geração, a consolidação e a utilização eficiente de dados possibilitam avanços operacionais significativos.
Contudo, o sucesso da transformação digital depende de uma abordagem estruturada e, principalmente, faseada. Dados da Gartner* indicam que apenas 48% dos projetos de transformação digital alcançam os seus objetivos, o que reforça a necessidade da sua implementação inicial em processos prioritários, onde o impacto seja mais mensurável. Simultaneamente, é essencial definir desde cedo aspetos estruturantes, tais como a uniformização de dados, que servirão de base para a expansão de iniciativas digitais de maior escala.
O tempo de atuar é agora. A indústria portuguesa tem a oportunidade de inovar, elevar o seu posicionamento na cadeia de valor e explorar novos mercados. Com uma disponibilidade sem precedentes dos fundos europeus (por ex. o PRR), e um ecossistema nacional cada vez mais preparado para suportar esta evolução, cabe às empresas portuguesas aproveitarem esta oportunidade de se afirmarem no contexto nacional e global.
Portugal está diante de um momento decisivo. É o nosso tecido industrial que tem agora de transformar desafios em oportunidades e consolidar-se como uma referência na Era da Inteligência.
* Gartner: Agenda do CIO para 2025 (https://www.gartner.com.br/pt-br/artigos/prioridades-que-cios-devem-abordar-em-2025)
Rodrigo Cordeiro é Country Head ER&D (Capgemini Engineering) Portugal