Tecnologia chinesa ajuda Rússia a ampliar produção de drones

O Garpiya-A1 é mais do que apenas um novo drone no arsenal russo. Representa uma fusão de esforços de desenvolvimento doméstico com a crescente dependência de tecnologia chinesa, marcando uma nova fase na capacidade russa de continuar o conflito na Ucrânia.
14 de Setembro, 2024

A Rússia está a intensificar a produção de drones kamikaze de longo alcance, com base em componentes chineses. Segundo revelou a Reuters, a Rússia, através da sua subsidiária estatal IEMZ Kupol, produziu mais de 2.500 drones “Garpiya-A1” entre julho de 2023 e julho de 2024. Este novo drone incorpora motores e outras peças de origem chinesa, marcando uma mudança estratégica na abordagem de produção de veículos não tripulados russos, tradicionalmente baseados em designs iranianos.

O papel da China e a escalada tecnológica

O Garpiya, que significa “Harpia” em russo, representa um avanço significativo na capacidade da Rússia de fabricar drones de ataque internamente. Segundo fontes dos serviços de inteligência europeus disseram a Reuters, os drones foram utilizados para atacar tanto alvos militares como civis na Ucrânia, causando danos graves em infraestruturas críticas e resultando em numerosas vítimas.

O motor utilizado no Garpiya, o Limbach L-550 E, tem origem numa tecnologia originalmente alemã, mas agora fabricado na China pela empresa Xiamen Limbach. Esta colaboração revela o crescente papel da China no fornecimento de componentes críticos para a indústria de defesa russa, apesar das tentativas internacionais de limitar o acesso de Moscovo a tecnologia militar.

A China, que tem mantido uma posição ambígua em relação à guerra na Ucrânia, afirmou em comunicado à Reuters que regula rigorosamente a exportação de itens de uso dual, incluindo drones. Contudo, Pequim não enfrenta restrições internacionais no comércio com a Rússia e rejeita as acusações de apoio direto ao esforço de guerra russo. Num momento em que os EUA e a NATO pedem à China que cesse o fornecimento de componentes militares à Rússia, a resposta de Pequim tem sido de resistência face às pressões ocidentais.

Uma mudança no panorama dos drones russos

Muito recentemente, a Rússia dependia fortemente dos drones Shahed-136 fornecidos pelo Irão, que desempenharam um papel fundamental nas operações de desgaste das defesas aéreas ucranianas. No entanto, com o desenvolvimento do Garpiya, a Rússia sinaliza uma nova fase de produção doméstica de drones, potencialmente menos dependente do apoio iraniano.

De acordo com o especialista em defesa Samuel Bendett, em declarações a Reuters, o Garpiya pode marcar “um afastamento da confiança da Rússia nos designs iranianos”. Com um alcance máximo de 1.500 quilómetros e um peso inferior a 300 quilos, o Garpiya apresenta características semelhantes aos Shahed-136, mas distingue-se por pormenores como uma barbatana única e o motor chinês. Esta evolução pode permitir à Rússia aumentar a sua produção de drones de ataque em larga escala, alavancando componentes chineses e ampliando as suas capacidades de ataque à distância.

Um panorama industrial de guerra

A produção do Garpiya está centralizada numa antiga fábrica de cimento em Izhevsk, na República de Udmurt, uma instalação que foi adquirida pela IEMZ Kupol em 2020. Fontes confirmaram à Reuters que a fábrica produziu centenas de drones no final de 2023, duplicando a sua capacidade produtiva no primeiro semestre de 2024.

Este aumento na produção levanta questões sobre a capacidade da Rússia em sustentar uma guerra prolongada, enquanto aproveita novas cadeias de abastecimento para mitigar as sanções ocidentais. O papel de empresas chinesas na exportação de componentes essenciais, como os motores para os drones Garpiya, preocupa não só os países europeus, mas também os Estados Unidos. Washington já impôs múltiplas sanções às entidades chinesas envolvidas na indústria de defesa russa, mas o impacto dessas medidas ainda não parece ter causado uma rutura significativa na cooperação entre os dois países.

Implicações geopolíticas

A revelação da produção de drones Garpiya sublinha a crescente dependência russa de tecnologias e componentes externos, mesmo que o país afirme ter uma capacidade autossuficiente de produção militar. Esta colaboração com a China ocorre num contexto de crescente tensão entre o Ocidente e Pequim, particularmente no que diz respeito à questão ucraniana. Recentemente, o Secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg, apelou diretamente à China para que cesse o seu apoio à Rússia, afirmando que esse apoio tem prolongado o conflito.

A complexidade deste cenário geopolítico levanta dúvidas sobre até que ponto a Rússia conseguirá continuar a produzir armamento avançado sem uma maior pressão internacional sobre as suas cadeias de abastecimento. Embora o governo chinês continue a afirmar o seu compromisso com a paz e a resolução política do conflito, o fornecimento de tecnologia sensível à Rússia lança uma sombra sobre essa posição oficial.

O Garpiya-A1 é mais do que apenas um novo drone no arsenal russo. Representa uma fusão de esforços de desenvolvimento doméstico com a crescente dependência de tecnologia chinesa, marcando uma nova fase na capacidade russa de continuar o conflito na Ucrânia. À medida que a Rússia se adapta a um cenário de guerra prolongado, com sanções ocidentais em vigor, o papel da China no fornecimento de componentes cruciais será cada vez mais escrutinado.

Com os drones a tornarem-se uma peça central da estratégia militar moderna, a capacidade de produção da Rússia, sustentada por apoio externo, será um fator crucial para o futuro do conflito ucraniano. O tempo dirá se os apelos internacionais conseguirão reduzir o fluxo de componentes críticos para a Rússia ou se a cooperação entre Moscovo e Pequim continuará a desafiar as pressões diplomáticas e económicas do Ocidente.

Opinião