Lisboa foi escolhida como Capital Europeia da Inovação 2023. Esta é uma distinção atribuída pela Comissão Europeia. A candidatura a este prémio teve como base o projeto da Fábrica de Unicórnios (Unicorn Factory). Conversámos com o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, para perceber o que vai fazer com o milhão de euros do prémio e aproveitámos para fazer um balanço dos resultados gerados pela Fábrica de Unicórnios e perceber o quanto tecnológica está de facto a ficar Lisboa.
Lisboa é capital da Inovação, imagino que se sinta orgulhoso com este facto. Este reconhecimento traz um envelope com um milhão de euros. Já decidiu o que vai fazer com ele?
O prémio de um milhão de euros é inédito. É equivalente ao Prémio Nobel, mas para as cidades. É um orgulho poder dizer que trouxe um milhão de euros para a nossa cidade, creio que poucos presidentes podem dizer o mesmo.
Mas com o prémio vêm também novas responsabilidades. A inovação é o motor de uma cidade, mas pode também trazer um outro lado que é menos falado, e que me preocupa: o perigo de criarmos uma sociedade a duas velocidades, em que quem trabalha no setor tecnológico tem um bom salário e consegue viver na cidade com qualidade, e quem trabalha em indústrias mais tradicionais tem dificuldade em conseguir a mesma qualidade de vida. Quando olhamos para cidades como São Francisco que, como Lisboa, são grandes capitais de inovação, vemos enorme riqueza e dinamismo económico, mas depois temos muita gente a dormir na rua e sem conseguir condições de vida dignas.
Quero que Lisboa se destaque precisamente por ser a cidade onde a inovação não divide a sociedade, mas antes contribui para criar uma cidade mais justa e equilibrada. Não queremos ser a São Francisco da Europa. A minha missão é apresentar um modelo diferente, focado em valores sociais que são característicos dos Europeus.
Para alcançar esse objetivo, é necessário que Lisboa consiga aproximar o mundo tecnológico dos desafios sociais e das dificuldades que os nossos munícipes sentem todos os dias. Vamos usar este prémio para conseguir essa aproximação. Com o milhão de euros da Comissão Europeia vamos criar o maior prémio de inovação social alguma vez lançado por uma cidade na Europa, em que convidamos a comunidade tecnológica de Lisboa – empreendedores, cientistas, colaboradores de grandes e pequenas empresas tecnológicas – a trabalhar com a Câmara Municipal de Lisboa para desenvolver soluções inovadoras para desafios sociais muito concretos nas áreas da educação, do acesso à saúde, da imigração e sem-abrigo.
O prémio será estabelecido em três categorias, cada uma com uma recompensa de 120 mil euros para o vencedor, integrada num plano de incubação de ideias que permitirá pôr em prática as melhores soluções e medir o seu impacto.
Para além de nos ajudar a criar uma cidade mais justa e solidária, este é também um sinal claro para outras capitais europeias de que Lisboa está a criar um modelo diferente, que é fundamental numa época em que lutamos contra o extremismo, a polarização da sociedade e o aumento das desigualdades. O futuro da inovação passa pela inovação social.
Quando olha para Lisboa hoje o que sente que falta fazer do ponto de vista da Ciência, Inovação e Tecnologia, e o que ainda vai conseguir fazer até ao fim do mandato?
O que faltou a Lisboa até 2021 foi a capacidade de os pequenos negócios crescerem. Temos excelentes empreendedores na cidade, capazes de criar tecnologias altamente disruptivas. Mas existe um desafio de escala: muitas destas empresas não têm os apoios e as ferramentas para competir noutros mercados. Quando lancei a Unicorn Factory, foi precisamente com o objetivo de criar essas ferramentas e de ajudar as nossas startups a passar para a próxima fase.
Em que fase se encontra a Fabrica de Unicórnios? O ambiente está criado, o ecossistema existe. Conseguiu fazer o que prometeu. Que resultados pode apresentar neste momento?
Os resultados que obtivemos em apenas dois anos mostram o quão necessário era este projeto para a cidade. Graças à Unicorn Factory, foi possível atrair quase 60 novos centros tecnológicos para a cidade. São empresas multinacionais, muitas delas com o estatuto de “unicórnio”, que decidiram sediar em Lisboa as suas equipas de inovação, de investigação e de desenvolvimento tecnológico. Vêm de 25 países – da China ao Brasil – e têm previsto contratar 10.000 profissionais altamente qualificados na cidade. E estamos a falar apenas do município de Lisboa – fora todas aquelas que se instalaram nos arredores.
Por outro lado, triplicámos o número de startups incubadas, batemos o recorde de investimento de risco (Venture Capital) e diversificámos os programas de incubação e aceleração de empresas. Só no ano passado, criámos 13 programas em áreas tão diversas como a saúde, a sustentabilidade, o turismo ou a habitação.
A atração de investimento é um movimento que não para. Que iniciativas tem em curso para atrair investimentos no setor das TI desenvolvimento para Lisboa? Quer do ponto de vista da captação de investimento internacional, quer nacional.
Esta é uma das missões da Unicorn Factory. Criámos o programa Soft Landing, que acompanha as empresas com potencial de investir em Lisboa para que possam ter uma boa experiência na cidade: encontrar espaços de trabalho, compreender a burocracia e integrar-se no ecossistema local, criando relações com outros empresas e estabelecendo parcerias locais. O programa tem sido um autêntico sucesso. Temos líderes de grandes empresas – como recentemente foi o caso da PLEO – a afirmar que, graças à Unicorn Factory, em Lisboa sentem-se em casa.
Como a Câmara Municipal de Lisboa está a colaborar com instituições de ensino, nacionais e internacionais, para impulsionar a inovação e a tecnologia em Lisboa?
As universidades, tanto nacionais como internacionais, têm um papel fundamental. Sem elas não há inovação. Tudo o que a Unicorn Factory faz, faz com as universidades. Na próxima sede da Unicorn Factory no Beato temos hoje em funcionamento antenas de universidades, como é o caso do Interactive Technologies Institute, um projeto de investigação em robótica, em parceria com a Carnegie Mellon University.
Entre as universidades portuguesas, o Instituto Superior Técnico tem sido um parceiro muito importante. Juntos inaugurámos recentemente o Técnico Innovation Center, perto do Saldanha, que reabilitou uma antiga gare da Carris para a transformar num espaço de inovação. Tem uma componente dedicada aos projetos dos alunos, e um espaço gerido pela Unicorn Factory, dedicado às tecnologias da saúde, bem-estar e desporto.
Que projetos tem em curso que mostrem que a cidade para além de um promotor é também parte ativa na digitalização. Quer no que respeita aos cidadãos quer nos seus serviços internos?
Temos muitos projetos na área da digitalização de projetos, sobretudo em áreas que no passado sofreram dificuldades operacionais, como é o caso do urbanismo. Para além de um progresso fundamental na eficiência e capacidade de entrega das nossas equipas, é também um passo muito importante para promover uma maior transparência. Hoje já conseguimos reduzir significativamente os tempos de espera e dar mais previsibilidade aos utilizadores das nossas plataformas. É um caminho desafiante, que tem muitos desafios em matéria de gestão da mudança.
Quais são os desafios mais urgentes que Lisboa enfrenta em termos de desenvolvimento tecnológico e como estão a abordaresses desafios?
O desafio da CML é conseguir modernizar a sua estrutura administrativa, simplificando os processos internos, apostando na transparência e previsibilidade.
No que respeita a promoção da inclusão digital e a acessibilidade tecnológica para todos os cidadãos de Lisboa? O que esta a ser feito neste campo?
Temos vários projetos em curso, em especial junto do público mais jovem, como é o caso da parceria que fizemos com a associação Apps for Good, que ensina crianças e jovens das escolas de Lisboa a desenvolver aplicações móveis para resolver problemas na sua comunidade. Já temos nove escolas e queremos continuar a crescer.
No seu mandado qual tem sido o papel da Câmara na promoção da economia circular e da sustentabilidade através da tecnologia e da inovação? Que projetos podemos esperar?
Atualmente, um dos principais projetos que temos na área da economia circular está relacionado com a gestão da água. 75% da água que consumimos em Lisboa não é para beber, mas para manutenção, rega e limpeza. Inexplicavelmente, estávamos a usar água potável para limpar as ruas da cidade. Criámos o ÁGUA + para poder usar águas residuais tratadas e assim reduzir consideravelmente o nosso consumo e os nossos custos. É o primeiro projeto licenciado em Portugal para a reutilização de água na rega de jardins municipais. Por outro lado, o Plano Geral de Drenagem de Lisboa vai também permitir expandir essas boas práticas e reaproveitar as águas das chuvas. É um dos grandes marcos do meu mandato.
Estamos na era do IA generativa. Para si qual o impacto que a IA generativa pode ter na sociedade em geral?
O desafio na inteligência artificial é sobretudo conseguirmos regular atempadamente a utilização de novas ferramentas, sobretudo no contexto de rápida disrupção que vivemos atualmente. A União Europeia tem sido pioneira, e deve liderar nessa matéria, protegendo a liberdade e os direitos dos utilizadores. Se enquanto sociedade não o fizermos, estaremos a entrar num terreno muito perigoso e que podemos deixar de controlar.
É importante que Lisboa se possa destacar como cidade que aposta na inteligência artificial, mas na sua componente responsável. Queremos marcar a diferença pela nossa capacidade de gerar produtos e serviços que se destaquem por uma forte componente ética. Esse será um dos desafios para a Unicorn Factory este ano.
Estamos em ano de Europeias. Quais deveriam ser as prioridades da União Europeia para agenda tecnológica, ciência e inovação no próximo ciclo 2024-2029?
Acredito que, em termos de modelo de desenvolvimento, a Europa tem uma proposta mais competitiva e mais atrativa, pois o modelo europeu trata de juntar o progresso tecnológico à cultura e ao Estado Social, algo que é único no mundo. O principal desafio está em ser capaz de criar escala e de ter grandes empresas que desempenhem um papel estruturante na nova economia, sobretudo em áreas estratégicas para a nossa autonomia e independência.