No Coffee Break desta semana, Vasco Reina, que recentemente trocou a Microsoft pela Noesis, falou com João Miguel Mesquita sobre o estado da transformação digital em Portugal, o papel da cloud, a adoção responsável da inteligência artificial e os desafios de reter talento num setor em constante mutação.
Após 17 anos na Microsoft — 12 dos quais focados no mercado português e os restantes em contexto internacional — Vasco Reina regressa com um objetivo claro: voltar a ter impacto direto no tecido empresarial nacional. “O tema da transformação digital em Portugal e a vontade de contribuir para a evolução das empresas que conhecemos e com as quais lidamos diariamente” foram, segundo explica, o que o motivou a aceitar o desafio da Noesis.
A conversa mostrou um retrato mais realista — e menos dramático — da digitalização das empresas portuguesas. Para Reina, não estamos assim tão atrasados como se gosta de dizer. “Os desafios em Portugal não são muito diferentes dos que encontramos no exterior. Há sempre limitações de ritmo, sejam financeiras ou organizacionais”, afirma. O executivo sublinha que a transformação digital não acontece por substituição total das infraestruturas, mas por sobreposição de novas camadas tecnológicas sobre sistemas existentes. Um processo inevitavelmente complexo.
“Desconstruir o que já existe só porque sim não faz sentido. É preciso um caso de negócio sólido que justifique a mudança”, sublinha. A abordagem da Noesis passa, assim, por ajudar os clientes a modernizar sem comprometer o que já funciona, promovendo evoluções estruturadas e sustentáveis.
Questionado sobre o papel da cloud no mercado português, Reina é pragmático. “Há cada vez mais consciência de que certas componentes nunca sairão do país — nem da Europa. Mas a cloud tem vantagens inegáveis em termos de agilidade e escala.” A transição, porém, deve ser feita com critério. “Migrar workloads só porque sim não traz valor. Tem de haver um objetivo concreto.”
O cenário previsível, diz, passa por uma coexistência duradoura entre soluções on-premise e cloud, ajustadas à realidade de cada organização. “Nos próximos dez anos, haverá ainda muitas aplicações em ambiente local — e com razão.”
Sobre a inteligência artificial, Vasco Reina deteta um maior sentido crítico por parte dos decisores. “Já não há euforia. Há curiosidade e vontade de perceber o impacto real e os riscos”, afirma. A Noesis já tem implementações em curso, como chatbots no setor público, mas a adoção é ainda superficial. “Estamos no início. É essencial garantir que o uso da IA é seguro, ético e orientado para resultados concretos.”
O portefólio da Noesis cobre áreas como retalho, educação, segurança, data & AI, e plataformas digitais. Reina destaca a experiência acumulada em testes e qualidade de software como um trunfo — com soluções que estão já a ser exportadas. Também aponta projetos em data governance e cibersegurança como áreas críticas para os próximos anos.
Mas um dos maiores desafios está longe da tecnologia: é o talento. “Reter pessoas altamente qualificadas é talvez o nosso maior desafio”, confessa. A estratégia da Noesis passa por cultivar uma cultura organizacional forte e desafiante, onde os profissionais sintam que evoluem. “Não é só salário. É motivação, propósito e progressão dentro da mesma empresa.”
Portugal está a caminho do salto tecnológico, mas precisa de o fazer com estratégia. “A transformação digital não é um sprint. É uma maratona com obstáculos técnicos, culturais e financeiros. Mas com a abordagem certa, dá-se o salto — e de forma sustentável.”