O mercado de trabalho português está a atravessar uma encruzilhada crítica. Segundo o Future of Jobs Report 2025 do Fórum Económico Mundial, as tendências globais — da automação à inteligência artificial (IA), passando pelas exigências ecológicas e demográficas — não estão apenas a transformar a economia global. Estão a testar a resiliência de países como Portugal, que combinam uma taxa de desemprego controlada com uma base de qualificações fragilizada. Isto, a médio prazo, pode ser um problema maior do que parece.
Com uma taxa de desemprego em torno dos 5% e uma participação laboral de 63%, Portugal parece, à superfície, relativamente estável. Mas o retrato completo é menos tranquilizador. Menos de um quarto da população ativa tem ensino superior e apenas 47% terminou o secundário. Estes números colidem frontalmente com a complexidade crescente das competências exigidas pela transição digital e ecológica.
Pior: mesmo entre os mais qualificados, o desemprego persiste (4%), sinal de um desajuste entre o que o sistema educativo e formativo oferece e o que o mercado realmente precisa. A qualificação, em Portugal, continua a ser uma promessa falhada — mais do que um passaporte garantido para o emprego.
Portugal enfrenta uma taxa de disrupção de competências de 87% — acima da média global — e uma rotatividade estrutural de 44% nos próximos cinco anos. Em parte, isso reflete um dado positivo: o país está a adotar tecnologia com entusiasmo. Cerca de 89% das empresas antecipam transformações nos seus negócios por via da IA, big data ou realidade aumentada. E 78% apostam claramente na automação de processos.
Mas esse avanço tecnológico implica um custo humano: o desaparecimento gradual de funções repetitivas, administrativas ou operacionais. Profissões como assistente administrativo ou operário fabril estão em declínio. Em contrapartida, a procura dispara por especialistas em IA, gestores de operações ou desenvolvimento de negócios — perfis para os quais o sistema atual não está a formar em quantidade suficiente.
Apesar do cenário evidente, apenas 29% dos trabalhadores portugueses esperam precisar de requalificação até 2030. O número é sintomático: estamos subestimados e despreparados para a mudança. O investimento em formação contínua, especialmente em meio de carreira, recebe uma classificação de apenas 4 em 7. Este números são manifestamente insuficientes.
Ainda assim as competências mais valorizadas até ao fim da década já estão identificadas: aprendizagem contínua, literacia tecnológica, gestão de talento e pensamento criativo. São todas competências híbridas, que fundem o raciocínio crítico com a fluência digital — e todas implicam uma renovação profunda da abordagem ao ensino e à formação.
Apesar do deficiente estado onde nos encontramos há sinais encorajadores, 60% das empresas identificam o financiamento da requalificação como prioridade, e quase metade reconhece o trabalho remoto como um facilitador estrutural. Além disso, Portugal mostra um forte compromisso com políticas de diversidade, equidade e inclusão, com 93% das empresas ativas neste domínio — um indicador importante numa era de transformação social e tecnológica.
Mas o nosso maior entrave continua a ser o défice de competências. E aqui o tempo joga contra nós. Em 2030, prevê-se que apenas um terço das tarefas no local de trabalho seja predominantemente humano. O resto será repartido entre tecnologia e modelos colaborativos homem-máquina. A produtividade dependerá da capacidade de as pessoas se adaptarem a esse novo equilíbrio.
Portugal se atrasou na corrida tecnológica. Mas não preparou adequadamente os seus trabalhadores. A janela de oportunidade para agir é muito curta — e exige uma resposta integrada que combine políticas públicas, visão empresarial e transformação educacional.
A IA, a sustentabilidade e a automação não são ameaças distantes. São realidades já em curso. E a verdadeira questão é se o país estará à altura de se reinventar para um mercado de trabalho mais exigente, mais fluido e mais tecnológico. A resposta dependerá menos dos robots e mais da capacidade humana de antecipar, adaptar e aprender. E nisso, Portugal ainda tem muito, mas muito a fazer.