Nos últimos dois anos, nações tão distintas como a Coreia do Sul, Dubai ou Finlândia posicionaram-se com estratégias próprias para o desenvolvimento de mundos virtuais e do metaverso.
Isto, para muitos de nós pode parecer demasiado estranho. Porque, afinal, estas nações se apressam refletir, a anunciar planos e a comprometer recursos hoje para uma versão da web que terá início daqui a 10, 15 anos?
Para percebermos esta aposta no futuro temos de regressar ao passado, mais precisamente à web 2.0. Governos, organizações, profissionais, pais, o leitor e eu, todos fomos apanhados de surpresa pelo tsunami de novos hábitos que as redes sociais trouxeram para as nossas vidas. Influencers começaram a criar os seus próprios canais de comunicação, uma primeira geração cresceu com a serotonina dos likes e shares dos seus posts e a pós-verdade começou a influenciar democracias e a polarizar o debate de ideias. Ainda hoje estamos a educar crianças e adultos na utilização das redes sociais. Não há um regresso possível.
A próxima versão da web não será tão transformadora como a anterior. Não tenho absolutamente dúvidas nenhumas que o seu impacto será tremendamente maior. Para ter uma noção deste impacto, basta verificar como a Inteligência Artificial (IA) generativa mudou o mundo num período de ano e meio. Educadores, designers, gestores, todos estamos a reconsiderar os nossos processos e a redesenhá-los para tirarmos mais partido da IA.
Se saltarmos para o futuro onde a AI generativa se alimenta em tempo real de dados recolhidos de espaços públicos e privados, objetos e pessoas para acompanhar a nossa saúde, as nossas necessidades pessoais e profissionais ou disponibilizar serviços em realidade virtual e aumentada que nos permitam mais rapidamente satisfazer os nossos desejos, percebemos que a mudança não ocorre na esfera individual nem na social nem na cultural. A mudança ocorre a um nível civilizacional.
Por isso mesmo, os riscos não podem ser maiores. Desde já, o risco de perder o futuro e de permitir que a expetável miríade de iliteracias tecnológicas que nos aguarda nos trave. Precisamos de novas competências que nos permitam lidar diariamente com seres digitais, produtos híbridos e mundos virtuais. De democratizar o acesso às tecnologias que farão parte desta jornada, promovendo uma utilização segura, inclusiva e que respeite a privacidade e identidade de cada um de nós.
Finalmente, precisamos igualmente de orientar a criação destes mundos virtuais para valores mais europeus, valores de ética, de solidariedade e que promovam a integração europeia e o bem comum.
Fundada em 2020, A VR/AR Industrial Coalition é a organização na Comissão Europeia responsável por desenhar a estratégia dos 27 para o Metaverso – a primeira versão desta foi publicada em julho de 2023 e os seus membros, tanto individuais como organizações, trabalham em criar sustentabilidade para as oportunidades e soluções para os desafios e riscos detetados.
Na reunião realizada em Fevereiro de 2024 em Bruxelas, foram estabelecidos novos passos para a estratégia que incluem:
- Uma consulta ao mercado sobre concorrência em mundos virtuais e IA generativa, aberta a contributos até 11 de Março;
- Um programa de standards para um “ecossistema seguro e interoperável de realidade virtual e aumentada e para a economia virtual”. Áreas como conteúdos formativos, segurança ou privacidade farão parte desta normalização;
- Uma parceria publico-privada para mundos virtuais que será o ponto de contacto da Comissão com este mercado;
- Criação de mais infraestruturas para testar digital twins, como o CITCOM;
- Dedicar 50 milhões de euros do EIC Accelerator para projetos de alto impacto de mundos virtuais e interação aumentada.
Mas ainda estamos longe duma estratégia concertada, sobretudo num bloco tão estratificado e diverso como é o da União Europeia. O desafio da comunicação e integração de esforços é real e assume-se como decisivo para operar uma estratégia para o Metaverso no nosso contexto e de forma eficiente. E esse desafio decorre tanto a nível central como em cada uma das 27 nações membros do bloco, como é o caso de Portugal.
Importa agarrar a oportunidade de fazer a diferença no futuro e criar competências e infraestruturas em Portugal que objetivamente contribuam para que projetos e profissionais do Metaverso escolham Portugal como destino de referência. É uma oportunidade de expandir o numero atual (e já elevado) de empresas, startups e profissionais de XR, de Blockchain, de IA e da industria criativa que serão os alicerces da próxima web. É uma oportunidade de assumir um maior desenvolvimento económico e social através de novas competências, que poderão atuar em novos modelos de negócio que são independentes do espaço – logo, não se limitam logisticamente pela nossa geografia europeia periférica. É uma oportunidade imensa e estamos muito a tempo de a aproveitar.