A União Europeia comprometeu-se em reduzir a burocracia, e aligeirar a regulamentação para facilitar o desenvolvimento da inteligência artificial (IA), marcando assim um ponto de inflexão na abordagem à regulamantação até hoje defendida pelos governos europeus, e quase absorvida na totalidade por todas as principais empresas europeias, que se prepararam nos últimos meses para lidar de forma objetiva e ágil com a regulamentação criada pelo bloco europeu, mesmo conscientes de que estavam perante alguns excessos de zelo.
O presidente francês Emmanuel Macron, ao discursar na Paris AI Summit, sublinhou a necessidade de um enquadramento regulatório mais flexível para que a Europa se possa manter competitiva neste setor fulcral.
A mudança de tom surge num contexto em que os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, optaram por desmantelar restrições regulatórias para potenciar a sua supremacia tecnológica. A pressão sobre a UE para um ajustamento semelhante tem vindo a crescer, com várias vozes na indústria a alertar para os riscos de um excesso de regulamentação que poderia travar a inovação e reduzir a atratividade da região para investimentos tecnológicos.
Simplificar é o mote
A presidente digital da UE, Henna Virkkunen, prometeu regras mais simples e uma implementação mais amigável para os negócios. É um reconhecimento implícito de que a excessiva rigidez regulatória tem colocado as empresas europeias em desvantagem face às suas congéneres americanas e chinesas.
O investimento como motor da inovação
Para além do ajuste regulatório, a aposta no investimento privado está a ganhar fôlego. Macron anunciou investimentos no setor de IA em França no valor de 109 mil milhões de euros, incluindo a inauguração de um centro de dados da startup francesa Mistral na região de Paris.
Em paralelo, a iniciativa “Current AI”, um consórcio entre França, Alemanha e gigantes tecnológicos como a Google e a Salesforce, promete investir até 2,5 mil milhões de euros em ferramentas de código aberto e dados de alta qualidade para IA. Esta colaboração público-privada pretende assegurar que a IA beneficie o interesse público, evitando os erros cometidos no passado com as redes sociais.
Os riscos de regular menos
Nem todos concordam com esta guinada regulatória. Organizações da sociedade civil alertam para o perigo de um relaxamento excessivo das regras, nomeadamente no que toca à proteção de dados e ao impacto da IA no mercado de trabalho. Brian Chen, diretor de políticas da Data & Society, citado pela Reuters, teme que a pressão internacional leve a um enfraquecimento do AI Act europeu, comprometendo salvaguardas fundamentais.
Os sindicatos também expressam preocupações sobre o futuro dos trabalhadores cujas funções serão substituídas pela IA, receando que sejam empurrados para empregos
O equilíbrio delicado entre regulação e competitividade
A União Europeia encontra-se numa encruzilhada. A decisão de aliviar o peso regulatório sobre a IA pode ser um passo necessário para recuperar a competitividade e atrair investimentos, mas traz consigo riscos significativos. O desafio residirá em encontrar um equilíbrio entre fomentar a inovação e garantir que a tecnologia seja desenvolvida de forma ética, segura e benéfica para a sociedade.
Se esta guinada europeia conseguir acelerar a transformação digital na Europa sem comprometer valores essenciais, a promessa de simplificação regulatória pode vir a ser um marco na história tecnológica da região. Caso contrário, poderá converter-se num retrocesso, comprometendo a proteção de direitos fundamentais em nome de uma corrida ao progresso.