Pagamentos instantâneos e A2A deverão provocar nova vaga de inovação

Ao promover o Open Banking, esta diretiva europeia abriu caminho para o atual desenvolvimento do Open Finance.
30 de Setembro, 2024

World Payments Report 2025 do Research Institute da Capgemini, revela um setor em profunda transformação alavancada pelos pagamentos instantâneos e A2A (conta-a-conta). No ano em que se assinalam duas décadas sobre a primeira edição deste reputado estudo anual, o World Payments Report 2025, prevê que até 2028 os pagamentos instantâneos venham a representar cerca de 22% do volume total das transações non-cash em todo o mundo.

Desde a primeira edição do estudo, em 2004, o setor de pagamentos tem vindo a sofrer grandes mudanças. Ao longo das duas últimas décadas assistimos a um crescimento expressivo de tecnologias e soluções digitais tais como as wallets, os pagamentos peer-to-peer (P2P) e os pagamentos contactless, que além de se terem vulgarizado adquiriram uma nova preponderância no contexto dos pagamentos. Também a regulação teve – e continua a ter, um papel crucial no que diz respeito a estimular a inovação e a garantir a proteção dos consumidores. Desta evolução resultou um ecossistema de pagamentos que se apresenta hoje mais consistente, conectado, eficiente e seguro do que nunca.

Transações eletrónicas a crescer, com a região da Ásia-Pacífico a liderar

O número de transações non-cash efetuadas em 2023 ascendeu a mais de 1.4 biliões e está a caminho de superar os 1.6 biliões em 2024. Com os clientes a preferirem, cada vez mais, adotar experiências de pagamento eficientes e sem atritos, espera-se que esta tendência se mantenha e que o número de transações non cash venha a ultrapassar mais de 2.8 biliões até 2028.

Atualmente é na região da Ásia-Pacífico (APAC) que as transações non-cash estão a crescer mais rapidamente (+ 20% YoY em 2024), e por comparação com a Europa (16%) e a América do Norte (6%). A maioria dos quadros superiores do setor (77%) considera que o incremento do comércio eletrónico é o principal responsável pela forte e rápida expansão das transações non-cash.

Pagamentos A2A desafiam sistemas tradicionais de cartões de pagamento

As soluções de pagamento instantâneo conta-a-conta (A2A) oferecem uma forma de pagar mais rápida e económica, constituindo uma poderosa alternativa face aos elevados custos apresentados pelos sistemas tradicionais de cartões de pagamento. A sua crescente popularidade ameaça mesmo desafiar o domínio dos cartões de pagamento tradicionais a breve trecho, estimando-se que estas novas soluções poderão vir a reduzir o crescimento futuro do volume de transações dos pagamentos com cartões entre 15% e 25%. Dado que, as comissões interbancárias e os juros constituem uma fonte de rendimento essencial para as instituições financeiras, esta mudança poderá acarretar perdas de receitas muito significativas e impactantes nas contas dos operadores históricos do setor. Na mesma linha, o estudo adianta que a Wallet Wero da Iniciativa Europeia de Pagamentos deverá também vir a acelerar a adoção dos pagamentos A2A, provocando uma redução de 37% no número das transações efetuadas com cartão em toda a Europa até 2027.

O aumento contínuo das transações non-cash assinala um momento de viragem para bancos e prestadores de serviços de pagamento. Os dados revelam-nos que esta mudança, absolutamente inevitável, que está em curso, nos está a conduzir para um futuro que será, rapidamente, dominado por pagamentos instantâneos e abertos,” revela Jeroen Hölscher, Global Head of Payment Services da Capgemini, acrescentando que: “o êxito do Pix no Brasil e do UPI na Índia, evidenciou que o sucesso depende da colaboração entre os setores público e privado. Embora algumas instituições financeiras possam atualizar os hubs de pagamentos que possuem atualmente, ou aproveitar as potencialidades oferecidas pela infraestrutura bancária partilhada, o facto é que os consumidores exigem instantaneidade e as empresas estão sedentas de soluções inovadoras que lhes resolvam efetivamente os problemas com que os seus negócios se confrontam e estão dispostas a pagar por elas. Chegou o momento de criar estes alicerces.»

Instituições financeiras não estão preparadas para os pagamentos instantâneos

Dois em cada três responsáveis do setor dos pagamentos consideram que a expansão dos pagamentos instantâneos é essencial para impulsionar as transações non-cash. Consequentemente, os bancos precisam de entrar na onda dos pagamentos instantâneos. No entanto, a maioria dos responsáveis do setor dos pagamentos inquiridos no âmbito do estudo, revelaram-se preocupados com o aumento das fraudes, que consideram ser um grande obstáculo à ampla adoção dos pagamentos instantâneos. Isto porque, os bancos, além de não estarem capacitados com mecanismos de defesa suficientemente robustos, também estão preocupados com o ritmo dos fluxos de liquidez a que os pagamentos instantâneos obrigam. Um aspeto que está a fazer com que muitos bancos optem por receber, mas não enviar os pagamentos instantâneos. Atualmente, de acordo com os resultados apurados pelo inquérito que serviu de base ao estudo deste ano, só 25% dos bancos podem receber pagamentos instantâneos e 5% têm plena capacidade para os enviar e receber.

Para este estudo, e para apurar o nível de preparação dos bancos para a adoção generalizada dos pagamentos instantâneos, a Capgemini avaliou os resultados de vários inquéritos sobre um alargado leque de parâmetros de negócio e tecnológicos [1]. O estudo conclui que apenas 5% dos bancos demonstraram estar suficientemente preparados, tanto a nível de negócio como tecnológico, para poderem assumir uma posição de liderança na adoção dos pagamentos instantâneos. Nomeadamente, apenas 13% dos bancos europeus podem reivindicar que estão capacitados com uma base tecnológica suficientemente sólida que lhes permita lidarem com os requisitos dos pagamentos instantâneos. Esta é uma questão muito pertinente no contexto da EU, dado que o Regulamento Europeu sobre Pagamentos Instantâneos (IPR) preconiza que todos os bancos e prestadores de serviços de pagamentos deverão disponibilizar todas as funcionalidades de envio e recebimento dos pagamentos instantâneos até outubro de 2025.

Para os diretores financeiros das empresas dos setores dos seguros, do retalho e do automóvel, as ineficiências que advêm dos processos das contas a pagar e a receber constituem um dos maiores problemas que a gestão das tesourarias das empresas enfrentam. Com mais de 80% a usarem ainda processos manuais baseados em papel para fazerem a conciliação das contas, quase 7% das receitas fica imobilizada na cadeia de valor. O resultado são biliões de dólares bloqueados e que poderiam ser usados para financiar as atividades das empresas. Ao permitirem que as empresas possam ter uma visão em tempo real dos seus fluxos de caixa, os pagamentos instantâneos e o open finance [2] podem constituir uma nova alternativa, permitindo que as empresas melhorem substancialmente a sua gestão de tesouraria.

Ao promover o Open Banking, esta diretiva europeia abriu caminho para o atual desenvolvimento do Open Finance. O estudo sublinha o quanto o Open Finance pode empoderar consumidores e empresas, e impulsionar a adoção dos pagamentos instantâneos. Apesar do seu imenso potencial para transformar o setor financeiro, os progressos são atualmente limitados devido às diferenças nos quadros regulamentares e nas iniciativas de mercado. Austrália, Brasil, Índia e Singapura são alguns dos poucos países com iniciativas para tornarem a partilha de dados mais acessível e conveniente para os cidadãos e para as empresas que participam num sistema financeiro aberto.

De acordo com o World Payments Report 2025, as instituições financeiras consideram que é difícil adotar integralmente o Open Finance devido aos problemas relacionados com as APIs que não estão normalizadas, com o controle limitado sobre o uso dos dados e a falta de incentivo para partilhar dados com terceiros. Apenas 17% das instituições de crédito possuem projetos-piloto em fase avançada ou lançaram produtos financeiros abertos. 39% estão na fase de planeamento e de realização de avaliações dos impactos. Já 23% dos bancos continuam hesitantes sobre esta matéria e aguarda que o quadro legal seja clarificado. 

Opinião