A Inteligência Artificial (IA) está a transformar rapidamente a forma como empresas e administrações públicas operam, mas o maior obstáculo à sua adoção ainda não é tecnológico — é humano. Esta foi uma das ideias centrais partilhadas por Javier Martínez Torres, professor titular da Universidade de Vigo e CEO da empresa tecnológica Possible, no episódio do podcast Dados à Conversa, desta semana.
Javier Martínez Torres destacou a rápida evolução do setor e o impacto de modelos mais acessíveis, como o DeepSeek, que estão a mudar o paradigma ao permitir processamento local — uma alternativa particularmente relevante para pequenas e médias empresas com menor capacidade de investimento. “A segurança e o controlo dos dados tornaram-se fatores críticos na escolha dos modelos”, afirmou.
Modelos menos conhecidos, como o italiano Vitruvia ou o espanhol Alia, também foram referidos como alternativas viáveis em contextos onde a soberania e o controlo superam a necessidade de desempenho máximo.
Para o académico, a Europa dificilmente poderá competir com os EUA ou a China na corrida tecnológica pela liderança dos modelos mais avançados. “Não faz sentido competir na Fórmula 1 dos LLM. A Europa deve assumir o seu papel na construção de uma IA ética, transparente e responsável”, defendeu.
A regulação e o investimento em infraestruturas são, segundo Javier Martínez Torres, os pilares da estratégia europeia. Mas alerta: mesmo em contextos onde a precisão absoluta não é necessária, o controlo e a confiança são indispensáveis.
A adoção da IA nas empresas espanholas avança a ritmos diferentes, dependendo do setor. A indústria ainda aposta sobretudo em IA tradicional — visão computacional, modelos preditivos, manutenção preditiva — enquanto setores como banca, seguros e retalho lideram na integração de IA generativa.
No entanto, o CEO da Possible nota que há ainda um descompasso entre o interesse e a capacidade de execução. “Gastamos mais tempo em formação e consultoria do que em implementação real. A maior barreira é o medo”, afirmou. “Há também um desconhecimento estrutural sobre o custo de infraestrutura e manutenção. Muitos acreditam que usar IA é como instalar o Office.”
Administração pública avança, mas com cautela
Javier Martínez Torres reconhece progressos significativos na administração pública, especialmente a nível regional. Destacou exemplos da Galiza, como modelos preditivos para lares de idosos ou ferramentas de linguagem natural que facilitam o acesso a dados clínicos. “Talvez não existam grandes projetos mediáticos de 20 milhões, mas há dezenas de projetos de um milhão com impacto direto no cidadão — e isso é mais relevante.”
IA sem dados é ilusão
Outro ponto crítico abordado foi o estado dos dados nas organizações. “Sem dados organizados, nenhum modelo funciona. A maioria das empresas ainda não tem os dados limpos nem estruturas coerentes. E isso compromete tudo — desde a fiabilidade dos resultados até ao retorno do investimento.”
O académico reforçou ainda a importância de uma política clara de governação da IA. “Quem é responsável por cada modelo? Quem o monitoriza? Quem decide quando o modelo deve ser desativado? Estes são temas que ainda estão por resolver em muitas empresas.”
Alfabetização digital: o desafio estrutural
Javier Martínez Torres, também apontou a formação transversal em IA como uma lacuna estrutural. “Formamos engenheiros, mas esquecemo-nos de formar os futuros gestores. A literacia em IA tem de ser integrada em todos os cursos universitários. Não podemos formar apenas técnicos; temos de formar decisores informados.”
Apesar do ritmo acelerado da inovação, Javier Martínez Torres, acredita que o futuro próximo passará não apenas por modelos mais poderosos, como o anunciado GPT-4.5, mas também por modelos mais pequenos, especializados e combináveis. “Vamos avançar para arquiteturas de agentes interligados, que resolvem problemas de forma escalável e controlável.”
Apesar do entusiasmo em torno dos agentes, o especialista alerta para os riscos do hype: “A tecnologia avança, mas nem tudo o que brilha é novo. A eficiência não vem do marketing, vem da aplicação prática.”
Javier Martínez Torres deixa uma nota clara: o comboio da IA não vai parar. “Se as empresas e os profissionais não se adaptarem, não serão substituídos pela IA — serão ultrapassados por quem a souber usar.”