Imiscuída em qualquer campanha eleitoral, a corrupção, seus casos, operações e atores, ganha protagonismo em ruas, telas e comícios e proporciona grandes preceitos demagogos e populistas. A perceção pública dos portugueses em relação ao tema, de acordo com o Índice de Perceção da Corrupção, coloca-nos no capítulo dos descrentes, nem na cauda, nem no sopé, antes na linha mediana de quem desconfia de tudo e todos, mas também de quem coloca “as mãos no fogo” por parte.
As próximas eleições legislativas (o dia após) apresentam desafios políticos ímpares e renovados compromissos, a firmar, pelas Instituições Democráticas. O alerta deixado pelo Mecanismo Nacional Anticorrupção – MENAC, na “Recomendação n. ª1/2024 do MENAC” do passado dia 26 de fevereiro, chega ao jeito de lembrete de compromisso. É notória, a falta de tração do referido organismo no cumprimento da sua atribuição maior – A Prevenção da Corrupção -, contudo, exprime-se de forma pertinente com uma missiva que pretende promover a transparência e a integridade na ação pública.
Toda a recomendação é orientada ao critério único de aplicabilidade do RGPC (Regime Geral de Prevenção da Corrupção), realinhando-o. Na sua redação originária, o âmbito é definido pelo número de colaboradores que a organização emprega, isto é, 50 ou mais. Na cálida publicação do MENAC, relembra-se que, ninguém fica de fora, “serviços e as pessoas coletivas da administração direta e indireta do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais e do setor público empresarial que empreguem menos de 50 trabalhadores” e os recursos humanos, “membros do Governo, membros dos respetivos gabinetes e também, com as necessárias adaptações, aos dirigentes superiores da administração direta do Estado, dirigentes de institutos públicos e gestores públicos”.
Esta publicação meritória e pertinente, surge na antecâmara do sufrágio e enfoca nos instrumentos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas, na diminuição de conflitos de interesse e no incremento da transparência. Importa referir que, em setembro de 2023, o MENAC publicou indicações e notas explicativas sobre cuidados metodológicos para a elaboração, adoção e dinamização do RGPC que concorrem para a proximidade entre a Autoridade de Controlo e a Organização/Entidade, para o consequente desaire de formalidades e para uma tradução não técnica do que se pretende comunicar.
O elenco de atividades que podem expor a Administração Direta e Indireta do Estado a Corrupção, é um exercício de prognose que deve ser inscrito no plano de prevenção de riscos. A memória, os processos em tramitação e o lastro mediático não permitem abordar o tema com pudor ou timidez. A definição com exatidão e sem barreiras hierárquicas define o “mapa da mina”: qual a probabilidade de ocorrência? e qual o impacto em potencial? É mais uma rubrica de gestão de risco da Organização. O Código de Conduta, documento vulgar e ordinário, é, por citação do MENAC, “uma espécie de compromisso de integridade que é assumido por todos os que exercem funções”, marcando claramente um vínculo individual, e o colaborador como um fragmento vivo de responsabilidade perante o seu ascendente.
O célebre questionário de 36 perguntas ao qual terão de responder os putativos candidatos a membros do Governo não deve ser um fim em si mesmo, mas apenas o início de um caminho de transparência do primeiro ao último dia de mandato, orientado a: partilhe-se, responda-se, torne-se claro e… analise-se. O escrutínio impositivo sobre os homens e mulheres constituintes é necessário e proporcional às expetativas de todos aqueles que acorrerem às urnas no próximo dia 10 de março, ainda que, desconhecedores do MENAC.
O exercício mínimo sugerido a quem entrega a carreira à Administração Pública é o de serem militantes da transparência e ministros da ponderação entre o que podem almejar e o que executam, mas também quem convidam para os seus gabinetes e com quem almoçam, numa expressão que o Presidente da República sintetiza em “ónus político para o exercício de funções”. Aguardemos ansiosamente pelo 10 de março e pelos próximos capítulos da perceção (e prevenção) da corrupção.
João Viana Ledo é Consultor Área Privacy & Legal, VisionWare