Nos últimos anos, as redes sociais tornaram-se um campo de batalha decisivo na luta contra a desinformação. Apesar dos esforços nesse sentido, recentes decisões estratégicas de algumas das maiores plataformas de redes sociais sugerem um enfraquecimento das defesas contra a disseminação de desinformação online.
Um exemplo notável desta mudança é a decisão da Meta em abandonar o uso do CrowdTangle, uma ferramenta robusta e amplamente utilizada para monitorizar a disseminação de informações em redes sociais. O CrowdTangle permitia que jornalistas, investigadores e até mesmo a própria equipa da Meta, monitorizasse com eficácia, diversos conteúdos que se tornavam virais, oferecendo uma visão clara sobre como certas narrativas, verdadeiras ou falsas, se espalham pelas plataformas. Tal mudança tornará muito mais difícil o combate à desinformação, algo que é particularmente alarmante numa altura em que o mundo procura estar mais informado sobre os atuais conflitos armados (como são exemplos mediáticos, os casos Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas), e muito em particular, neste ano de eleições nos EUA, em que muitos atores hostis exploram as redes sociais para exercer a sua influência através de desinformação. A substituição do CrowdTangle pela “Meta Content Library”, uma ferramenta significativamente menos poderosa, representa um retrocesso considerável. A Meta Content Library oferece um conjunto limitado de dados, facto que dificulta uma análise precisa e a própria monitorização eficaz das tendências de desinformação. Como já seria expectável, esta mudança sugere que a Meta está a diminuir os seus esforços para combater a desinformação, o que por sua vez, levanta questões sobre as prioridades da empresa, especialmente considerando o impacto das redes sociais em época de eleições, na guerra, na saúde pública e em outras áreas e infraestruturas críticas.
Outro exemplo assinalável. é o do antigo Twitter, agora rebatizado como X sob a gestão de Elon Musk. A mudança que Musk trouxe consigo não foi somente no nome, mas também nas medidas contra a desinformação. Uma das medidas mais controversas foi a redução da equipa dedicada a moderação de conteúdo, incluindo os responsáveis por identificar e lidar com informações falsas. Além disso, Musk reverteu várias políticas destinadas a limitar a disseminação de desinformação, tal como a verificação rigorosa de contas e a remoção de “tweets” problemáticos. Este novo paradigma de Musk em favor de uma liberdade de expressão absoluta tem sido altamente contestado pelo facto de abrir portas a um aumento de conteúdos nocivos que, sem mecanismos eficazes para controlar a veracidade das suas informações, permite que conteúdos e comunicações falsas se espalhem com demasiada facilidade.
As mudanças nas políticas destas duas maiores redes sociais mundiais têm implicações profundas, levantando preocupações claras sobre o papel das redes sociais como espaços seguros e fiáveis para o discurso público. A própria sociedade civil, por sua vez, deverá estar ciente de tais mudanças e exigir uma maior responsabilidade (e responsabilização) destas plataformas – que dependem precisamente da sociedade para o seu negócio – e fazer pressão para que estas sejam espaços onde a verdade prevaleça sobre a mentira e manipulação. Intencionalmente ou não, quer a Meta, quer o X, poderão estar a facilitar a proliferação de desinformação. Se por um lado, as empresas argumentam que estão a simplificar processos e/ou a privilegiar a liberdade de expressão, é crucial que exista um equilíbrio e bom senso entre a proteção do debate aberto e a prevenção da disseminação de desinformação – sem que uma dimensão anule a outra.
Bruno Castro é Fundador & CEO da VisionWare, e especialista em Cibersegurança e Investigação Forense.