A criação da Entidade para a Transparência, através de Lei de 2019, teve por objetivo aumentar o escrutínio dos cidadãos sobre a actividade dos actores políticos. Em particular, seria esta a entidade a registar as “declarações de rendimentos, património, interesses e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos” e, através destas, acompanhar e escrutinar a evolução dos níveis de património e rendimento dos políticos e dirigentes da Administração Pública.
Como a vontade de dar transparência à vida pública é escassa, por parte da classe política, a EpT demorou a sair do papel. Durante anos, não lhe foram atribuídas instalações funcionais, a sua Presidente demorou três anos a ser nomeada e empossada. E, só depois de muita pressão pública, e quase ao fim de quatro anos, foi criada finalmente uma plataforma eletrónica que permita aos políticos proceder à submissão das suas declarações de rendimentos e património.
Esperemos, pois, que rapidamente os políticos submetam as suas declarações, nos termos da Lei, e que a informação seja disponibilizada publicamente para que os cidadãos possam de facto escrutinar a evolução dos níveis de património dos seus representantes. E é também imperioso que as autoridades investiguem os casos em que o aumento de património não seja expectável face aos salários auferidos; nestas situações, devem as autoridades exigir que as razões do aumento patrimonial sejam devidamente explicitadas.
Mas, para além do escrutínio público (necessariamente casuístico), e do controlo das autoridades (sistemático ou aleatório), nos dias de hoje pede-se (ou exige-se?!) uma colaboração dos especialistas em Sistemas de Informação ou informática. Devem estes profissionais criar mecanismos automáticos de avaliação e auditoria a cada uma das declarações e aos seus possíveis agregados, por espécie de cargo electivo (deputado, membro do governo ou autarca), por cargo público desempenhado ou em função do partido representado.
Uma base de dados desta relevância poderá contribuir, de facto, para o aumento da transparência da vida política nacional, se se tornar operacional a disseminação da informação disponibilizada. É que não basta a sua existência, ela tem que ser tornada em conhecimento. Isso faz-se de várias formas: descobrindo relações, traçando uma linha temporal, contrastando dados e visualizando todo este mapa. Quem melhor do que a comunidade informática e de sistemas de informação para estas tarefas?
Assim, a base de dados a ser disponibilizada deverá ser alvo de consulta permanente por parte de todos os cidadãos, deverá ser objecto de estudo de políticos e académicos. Mas ganhará muito em transparência se o sector do Digital lue dedicar especial atenção e encontrar mecanismos de recolha agregação e selecção de dados. E, por fim, se houver mecanismos de tradução e simplificação para difusão generalizada da informação contida na Plataforma Electrónica da Entidade para a Transparência. É este o desafio que aqui deixo à Comunidade “Digital”.
Paulo de Morais é Director do Departamento de Ciência e Tecnologia da Universidade Portucalense