Ouvia, há vários anos, numa conferência, um conceituado especialista, de cujo nome infelizmente não me recordo, que, a determinado momento, dizia: “blockchain é como o sexo na adolescência. Todos falam, mas poucos sabem realmente o que é!”. Agora que captei a sua atenção, vamos lá! E que tal trocar blockchain por inteligência artificial? Pois é…
Estamos a viver a era a que chamo “IA em tudo e em todo o lado ao mesmo tempo”. Na esmagadora maioria dos casos, a utilidade é quase tão ficcional, quanto o filme que invoco. Atualmente, não é muito mais do que apenas uma perceção distorcida que nos chega pelos media e pela comunicação de empresas que apenas pretendem, na espuma dos dias, capitalizar o hype existente à volta da IA.
Confundem-se tecnologias e conceitos que, embora colaborantes, possuem características e objetivos distintos, como é o caso de machine learning, deep learning, big data, robótica e automação, internet das coisas ou blockchain. Como se recordarão, algumas delas, já foram também buzzwords do momento, como acontece agora com a IA.
Esta confusão acontece, em minha opinião, por um conjunto de fatores, como o facto de os media e do marketing exagerarem nas capacidades da IA, de haver muitas interseções entre estas tecnologias, que podem ser usadas em conjunto, ou a falta de conhecimento técnico aprofundado que permita a sua destrinça.
Contudo, é um facto que a inteligência artificial generativa chegou em força e inundou as nossas vidas pessoais e profissionais com uma infinidade de ferramentas e aplicações. Dos chatbots, aos geradores de conteúdo, a IA é omnipresente e, depressa, passa de hype a overdose.
Apesar dos avanços significativos, a esmagadora maioria das empresas incorpora a tecnologia nos produtos e serviços de forma meramente superficial, sem um propósito claro, com o objetivo de surfar a onda do momento. Isso leva a uma proliferação de ferramentas e aplicações que têm um valor real para os utilizadores. De que serve o caricato de poder fazer uma fatura por comando de voz, se a “utilidade” se fina aí e continua um recurso alocado? De que serve ter um chatbot, se apenas dá informações básicas ou realiza tarefas simples, gerando ineficiências e frustração, levando os utilizadores a abandoná-lo rapidamente?
Não ignorando as implicações ambientais significativas, e apesar dos desafios e críticas, o potencial da IA para transformar a sociedade é inegável. Para que a IA se afirme como uma tecnologia transformadora, é essencial que as empresas se concentrem em desenvolver aplicações que agreguem valor para todos os intervenientes.
Não sou um velho do restelo e, a tal “IA em tudo e em todo o lado ao mesmo tempo” está em pleno andamento, mas é fundamental avaliar criticamente as aplicações dessa tecnologia, evitando a saturação do mercado com soluções superficiais e ineficientes. Priorizar a criação de ferramentas integradas que resolvem problemas objetivos e oferecem valor aos utilizadores, sejam empresariais ou domésticos, é o caminho para se poder garantir um futuro positivo para a IA.
Fernando Amaral é Chairman do Sendys Group