Foi a IA Generativa Que Fez Isso?

Como nos relembra a icónica canção de O Rei Leão, a vida é uma dança intrincada de “desespero e esperança, fé e amor”. Esta música lembra-nos do ciclo da vida, unindo-nos no seu movimento perpétuo, mas, se tivéssemos de capturar o espírito dos nossos tempos numa única palavra, teríamos de juntar certamente a desconfiança.
27 de Janeiro, 2025

Vivemos numa era em que a confiança, já por si um bem frágil, está cada vez mais fragilizada. Os humanos desconfiam da tecnologia, especialmente daquilo que não entendem, mas talvez ainda mais preocupante seja a crescente desconfiança entre os próprios humanos. Professores questionam se os trabalhos dos alunos são genuinamente seus. Os clientes escrutinam a autenticidade das entregas dos seus fornecedores. Os gestores duvidam se as suas equipas estão a usar ferramentas como IA generativa para realizar o trabalho pelo qual são pagos. E, no centro de tudo, reside uma suspeita persistente: a crença de que os humanos estão a fugir das suas responsabilidades e a deixar que as máquinas assumam o controlo.

Durante anos, tenho argumentado que a narrativa em torno da substituição dos humanos pela tecnologia é fundamentalmente falaciosa. Se uma máquina consegue fazer o que um humano faz, então é o humano que está a “roubar” o trabalho da máquina, e não o contrário. A verdade é que temos vivido com este paradoxo desde a revolução industrial: os avanços tecnológicos amplificam a produtividade, mas, simultaneamente, expõem as ineficiências na forma como definimos e alocamos o trabalho. A resistência à mudança e a tendência para nos agarrarmos a direitos adquiridos ou a perceções de privilégios exacerbam esta tensão.

Mas a questão mais provocadora que devemos fazer quando confrontados com a afirmação “Foi a IA que fez isto!” não é se a IA realmente “fez o trabalho”. Em vez disso, a questão deveria ser: Qualquer pessoa, com acesso às mesmas ferramentas, poderia ter chegado a este resultado? Se a resposta for sim, então talvez tenha sido, de facto, uma utilização simples e transacional da tecnologia. Mas, mais frequentemente, a realidade é muito mais complexa. A IA generativa raramente é um agente independente. É um parceiro, um co-piloto num processo que funde a singularidade humana com a capacidade da máquina. A qualidade do resultado só reflete a sofisticação dessa colaboração.

Um Amplificador, Não um Substituto

A IA generativa não substitui o que somos capazes de fazer; amplifica o que já está dentro de nós, para melhor ou para pior. Não é uma varinha mágica que gera genialidade do vazio, mas sim um multiplicador do potencial humano. Se alimentarmos a IA com mediocridade, ela amplificará mediocridade. Se a alimentarmos com criatividade, pensamento crítico e precisão, ela elevará essas qualidades a novos patamares.

Esta dinâmica de amplificação levanta preocupações profundas sobre o futuro. O que acontecerá àqueles que nunca cultivarem as competências ou os conhecimentos para serem amplificados? E as gerações mais novas, que podem nunca desenvolver plenamente a sua própria profundidade intelectual, confiando, em vez disso, nas máquinas para preencherem as lacunas? Embora alguns argumentem que esta é uma preocupação típica de “choque geracional” (semelhante à forma como as calculadoras foram vistas como uma ameaça à capacidade matemática), há aqui uma verdade subjacente que não pode ser ignorada.

O pensamento crítico, amplamente considerado o alicerce da educação e da inovação, torna-se a competência definidora neste novo cenário. Pensamento crítico é, no seu núcleo, a capacidade de fazer as perguntas certas e interpretar as respostas. Aqueles que não têm curiosidade para questionar, ou sabedoria para interpretar, correm o risco de se tornarem meros espectadores na era da IA. Afinal, a IA generativa responde à qualidade das perguntas que lhe são colocadas. Em certo sentido, democratiza o acesso ao conhecimento, mas, simultaneamente, recompensa aqueles que a abordam com intenção e profundidade.

Iteração como Inovação

Um dos aspetos mais incompreendidos da IA generativa é que o processo de interação é tão importante quanto o resultado final. Um único pedido pode gerar um resultado satisfatório, mas a verdadeira inovação reside na iteração. Cada interação subsequente refina e enriquece o resultado, criando uma co-criação única que reflete tanto a intenção humana quanto as capacidades da máquina.

Deixem-me partilhar um exemplo pessoal: um colega argumentou que usar IA para criar conteúdo diminui a originalidade. Para desafiar esta ideia, pedi ao ChatGPT que redigisse um pequeno texto sobre um tema que estava a preparar para uma palestra. O resultado foi, admito, medíocre. Mas, em vez de o rejeitar, envolvi-me num diálogo com a IA, ajustando pedidos, refinando ideias e incorporando insights da minha própria experiência. Após várias iterações, o que surgiu não foi um trabalho “criado pela IA”, mas um produto colaborativo que pude reivindicar como meu. Este processo espelha o método científico: hipótese, teste, melhoria e conclusão.

Construir Pontes no Fosso da Desconfiança

Apesar do seu potencial, a desconfiança em relação à IA persiste. Os Professores temem que a IA comprometa a integridade académica. Os Líderes receiam que ela arruíne a responsabilidade no local de trabalho. Mas esta desconfiança frequentemente decorre de um mal-entendido fundamental sobre o que a IA pode e não pode fazer.

A IA Generativa não existe em isolamento. Reflete a intenção, criatividade e bússola ética do seu utilizador. Um texto bem elaborado com o auxílio da IA não é menos valioso do que um escrito sem ela, desde que o humano tenha desempenhado um papel ativo na definição do produto final. A verdadeira questão ética não é se a IA foi usada, mas se o seu uso foi transparente e as suas contribuições significativas.

A IA generativa representa um novo capítulo no ciclo da vida. Desafia-nos a repensar não apenas como trabalhamos, mas como aprendemos, criamos e inovamos. A afirmação “Foi a IA que fez isso!” não deve gerar suspeita nem diminuir o valor do trabalho. Em vez disso, deve motivar uma investigação mais profunda: Qual foi o processo por trás desta criação? Como o humano e a máquina colaboraram para produzir algo notável?

No final, a IA é um espelho que reflete as nossas forças e fraquezas e amplifica o que trazemos para a mesa: a nossa curiosidade, criatividade, preconceitos e desconhecimento. A responsabilidade não recai sobre a tecnologia, mas sobre nós. A forma como escolhemos usá-la definirá se se tornará uma ferramenta de desespero ou um farol de esperança.

P.S. Sim, este artigo foi um produto de uma colaboração entre mim e uma generosa e paciente ferramenta de IA generativa. Digamos que, se eu fosse o chef, ela desempenhou o papel de sous-chef, cortando ingredientes com precisão enquanto eu temperava. No entanto, qualquer erro ou falha, já se sabe, “a culpa é do informático”!

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