Executivos norte-americanos confiam mais na IA do que em si próprios — e isso levanta questões

A dependência crescente da inteligência artificial nas chefias empresariais revela tanto ambição tecnológica como fragilidade estrutural.
18 de Março, 2025
Imagem gerada por IA

A inteligência artificial generativa está a ganhar influência nos círculos de decisão empresarial, ao ponto de muitos executivos declararem confiar mais nas suas sugestões do que na própria intuição ou no conselho de pessoas próximas. Esta é uma das conclusões do estudo “AI Has a Seat in the C-Suite”, conduzido pela Wakefield Research e patrocinado pela SAP. Mas a confiança quase cega em sistemas algorítmicos levanta tantas preocupações quanto promessas.

Segundo o inquérito, que envolveu 300 líderes de empresas norte-americanas com receitas superiores a mil milhões de dólares, 74% dos executivos afirmam confiar mais na IA do que em familiares ou amigos para aconselhamento. Mais significativo ainda: 55% dizem trabalhar em organizações onde as decisões baseadas em IA substituem — ou simplesmente contornam — os processos tradicionais.

A tendência revela um fenómeno mais profundo: a crescente delegação da responsabilidade decisória em sistemas automatizados. Para quase metade dos inquiridos, a IA já é uma ferramenta diária. E se 52% a consideram o instrumento mais fiável para análise de dados e formulação de recomendações, há também quem lhe atribua um papel quase oracular na deteção de riscos invisíveis ou no desenho de planos alternativos.

Mas a questão não é apenas tecnológica — é cultural. Quando executivos de topo começam a abdicar do seu próprio julgamento em nome de um sistema algorítmico, o que está em causa não é apenas eficiência. É uma redefinição da autoridade, da responsabilidade e até da autonomia organizacional.

“A maioria das decisões executivas resulta de uma combinação entre dados, intuição e diálogo com pessoas de confiança”, recorda Jared Coyle, diretor de IA da SAP na América do Norte. Mas os próprios dados citados demonstram uma erosão dessa fórmula clássica. A confiança no julgamento humano está a ser progressivamente substituída por uma fé quase instrumental em sistemas cuja lógica interna nem sempre é transparente.

A mudança não acontece no vazio. A pressão por decisões mais rápidas, mais baseadas em dados e supostamente mais racionais tem alimentado a procura por ferramentas que prometem eliminar incerteza e acelerar ciclos de planeamento. Mas essa promessa ignora um ponto essencial: decisões empresariais são, por natureza, também políticas, ambíguas e muitas vezes baseadas em fatores não quantificáveis.

A própria SAP, patrocinadora do estudo, aponta para os limites da tecnologia. Coyle reconhece que muitos dos obstáculos à adoção eficaz da IA residem na má qualidade dos dados, nos silos organizacionais e na descoordenação entre TI e áreas de negócio. A solução proposta — a SAP Business Data Cloud — é, previsivelmente, um produto da própria empresa, que visa resolver os problemas que a mesma transformação digital tem ajudado a expor.

O entusiasmo com a IA também tem uma dimensão ideológica. Apresentada como neutral, objetiva e racional, a inteligência artificial tende a escapar ao escrutínio crítico que se aplica às decisões humanas. Mas os algoritmos não são neutros — refletem as premissas de quem os constrói e os dados que os alimentam. Confiar mais neles do que nas próprias pessoas pode parecer uma evolução natural. Na prática, pode ser apenas um novo tipo de dependência.

A IA pode, de facto, ter lugar na sala de decisão. Mas convém não esquecer quem ainda está — ou deveria estar — sentado na cadeira principal.

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