Manuel Dias, National Technology Officer na Microsoft

“É crucial investir tanto em salvaguardas e regulamentações quanto em educação a responsabilidade última continua a ser humana”

O último estudo da Deloitte indica que 60% dos portugueses conhece pelo menos uma ferramenta de IA generativa. Pode assumir-se que a primeira fase, a da evangelização dos benefícios e do uso das ferramentas com base em IA generativa está concluída. Passamos agora a segunda fase, a adoção. 
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A IA generativa está presente na vida das empresas e das pessoas. Muitas coisas estão a acontecer, com o conhecimento e a adoção desta tecnologia. O último estudo da Deloitte indica que 60% dos portugueses conhece pelo menos uma ferramenta de IA generativa. Pode assumir-se que a primeira fase, a da evangelização dos benefícios e do uso das ferramentas com base em IA generativa está concluída. Passamos agora a segunda fase, a adoção. 

Para perceber melhor como esta fase está a decorrer em Portugal, conversámos com Manuel Dias, National Technology Officer na Microsoft, a cara da IA generativa em Portugal. Um humano que respira conhecimento sobre todos os movimentos da IA generativa. Com mais de 20 anos de experiência em tecnologia, Manuel Dias iniciou a sua carreira na EFACEC como Software Engineer numa área de investigação e desenvolvimento em Real Time Systems. Em 2004 juntou-se à OutSystems, onde assumiu vários cargos na Engenharia, Pré-venda e Direção de Produto.

Em 2011 juntou-se à Microsoft Portugal, como Analytics Lead, com a responsabilidade da área de Data & Artificial Intelligence para o mercado empresarial. Em 2018 assumiu o cargo de Diretor de Technical Sales, que acumulou com a função de AI Ambassador. Desde Outubro 2020 é o National Technology Officer (NTO) da Microsoft Portugal, tendo como responsabilidade a definição da estratégia tecnológica da Microsoft para Portugal

Pode fazer-nos um ponto de situação de como está a correr em Portugal a adoção do Copilot?

Lançámos o Copilot para o Microsoft 365 há pouco mais de 6 meses e tivemos mais de 600 empresas em todo o mundo a adotá-lo. Na época, seis empresas em Portugal aderiram. Portanto, já temos empresas efetivamente a utilizar o Copilot para o Microsoft 365. Compartilhamos os resultados do feedback da adoção em termos de ganhos de produtividade e satisfação: 70% dos utilizadores do Copilot afirmaram ser mais produtivos; 68% afirmaram que o Copilot melhorou a qualidade do seu trabalho. No geral, os utilizadores foram 29% mais rápidos numa série de tarefas (pesquisar, escrever e resumir) e 77% dos utilizadores afirmaram que, depois de utilizarem o Copilot, não queriam desistir dele.

Lançámos uma versão do Copilot Pro, que agora está disponível para organizações de todas as dimensões, sem requisitos específicos de número de utilizadores, como tínhamos no passado. Acreditamos que, tanto para grandes empresas que já adotaram, quanto para pequenas e médias empresas, e também na academia, esta é uma parte muito relevante. Lançámos o Copilot Pro para o Microsoft 365 há alguns meses atrás, e a adoção por empresas em todo o mundo, incluindo Portugal, tem sido notável. Recentemente, em janeiro, lançamos a versão Pro para organizações de qualquer dimensão. Lançamos o aplicativo Copilot para iOS e Android, aproveitando o Copilot que já existe no Bing e que é gratuito. Esta é a versão gratuita, anteriormente chamada Bing Chat e agora chamada Microsoft Copilot, disponível como aplicativo além do navegador. Por último, anunciamos os Copilot Bots, estendendo o Copilot do Microsoft 365 para cenários e processos específicos, como interagir com o CRM ou agendar uma viagem. Estas são as três vertentes: a empresarial para grandes empresas com Microsoft 365, a abertura para empresas de todas as dimensões com o Copilot Pro. A disponibilização dessas ferramentas e também como mencionei a integração com o Bing, que agora está disponível nas aplicações para iOS e Android. Assim, efetivamente, cobrimos todo o mercado, e esta estratégia de democratizar o acesso desta tecnologia de grandes modelos de linguagem para cenários empresariais, produtividade pessoal e criatividade com geração de imagens e texto está agora disponível no mercado.

Há seis meses, houve uma onda de entusiasmo quando a Microsoft mostrou várias possibilidades com algumas conferências e demonstrações. Lembro-me da história de divórcios online que foi apresentada. Este entusiasmo diminuiu um pouco. As empresas estão agora a avaliar a sua maturidade para a adoção da IA generativa.

Existem outras soluções disponíveis? Como está o suporte para startups e outras empresas na construção de soluções?

Tenho estado envolvido em projetos de experimentação em Inteligência Artificial generativa, e tivemos alguns projetos pioneiros que ganharam grande visibilidade nacional e internacional. O caso do Ministério da Justiça, com a aplicação sobre divórcios e casamentos, o caso da Agência de Modernização Administrativa, com a Chave Móvel Digital, foram projetos pioneiros no setor público, mas também tivemos casos no setor privado, que obtiveram muita visibilidade. 2024 será o ano da consolidação desses projetos, que não pararam, bem pelo contrário, continuam desenvolver-se.

Se olharmos para o Ministério da Justiça hoje em dia, já suporta mais um domínio de conhecimento sobre a criação de empresas na hora, continuando a desenvolver mais funcionalidades e domínios de conhecimento dentro do Avatar. Recentemente, os CTT lançaram um bot de atendimento ao cliente chamado Helena, e várias entidades do setor privado estão adotando não apenas o Copilot, mas a criar os seus próprios Copilotos usando os serviços Azure  e GT4.

Este ano, teremos projetos mais complexos, indo além de simples bots, explorando diferentes domínios de conhecimento. Alguns desses projetos já são públicos, outros não, mas estão em andamento em grande número. Podemos fazer uma analogia com o ano passado, que foi um ano de descoberta, enquanto as empresas tentavam entender os casos mais interessantes para aplicar esta tecnologia. Este ano será o ano de implementação, onde as empresas escolhem os casos de maior impacto e começam a implementá-los.

Tenho notado um grande entusiasmo por parte de alguns dos seus parceiros nos últimos meses, que se estão a preparar para atuar na área de consultoria, apoiando os seus clientes. Existe uma questão que algumas empresas ainda não compreenderam bem após um ano de experimentação: “Qual a melhor forma de integrar as soluções IA generativa no meu negócio?”

Estes parceiros estão a responder a esta questão ajudando as empresas? Estão a trazer negócios?

Sem dúvida, os parceiros são fundamentais para nós, cruciais até. A Microsoft em Portugal tem uma rede de mais de 4000 parceiros, formando um ecossistema bastante extenso. São cruciais porque, apesar de todos acharem essa tecnologia interessante, é necessário continuar a investir na formação e capacitação dos colaboradores para aproveitarem ao máximo. Portanto, os parceiros desempenham um papel chave no desenho e implementação das soluções, bem como nos planos de adoção. A adoção de novas tecnologias, não apenas no caso da Inteligência Artificial generativa, mas em qualquer nova tecnologia, requer competências, treino e habilidades para tirar o máximo proveito da tecnologia. Neste momento, muitos parceiros estão a capacitar-se, especialmente no tema do Copilot, os serviços da Azure Open e AI estão disponíveis há mais de um ano. Trabalhamos com grandes consultoras na definição e implementação de planos de adoção em clientes. Vemos que os parceiros estão realmente a responder, estão entusiasmados, e acreditamos que esse é o caminho certo. Neste momento, vemos que a maioria dos parceiros está em fases avançadas de formação e preparação para apoiar clientes na implementação de soluções baseadas em Copilot.

As grandes empresas, as grandes consultoras, os grandes clientes. Tremeram com os acontecimentos no Open AI, nos Estados Unidos, e a investigação que está a decorrer relativamente à relação entre a Microsoft e a empresa, ou entenderam estes acontecimentos como naturais?

Eu percebo que houve uma análise, evidentemente; todos fizeram perguntas e acompanharam o desenvolvimento, seja por curiosidade ou não. No entanto, é evidente que, com o ritmo de inovação que possuímos, juntamente com novos modelos de negócio e o impacto visível desta tecnologia, é compreensível que tenham avaliado a situação. É crucial estabelecer modelos de governança para garantir a estabilidade dos serviços, promover a evolução e a inovação, incorporando mecanismos essenciais que a Microsoft desenvolve há décadas. Entretanto, ao analisarmos este cenário, não o consideraria como algo natural; antes, diria que é necessário observar e tentar acompanhar, procurando a melhor solução possível. A Microsoft empenhou-se neste processo, tendo sempre em mente que, no final do dia, somos responsáveis por fornecer estas soluções ao mercado, mantendo-as e impulsionando a sua evolução. Isto é, sem dúvida, de extrema relevância para nós.

Estamos num período eleitoral em Portugal, à beira de uma campanha eleitoral, e é consenso que a IA generativa tem o potencial de criar ou facilitar uma série de circunstâncias, algumas das quais podem mesmo ser informações falsas e manipuladas. Influenciando os cidadãos.

Como lida a Microsoft com a responsabilidade e o poder potencial da IA generativa para o mal?

Sim, na Microsoft, e reitero isso, muitas vezes somos otimistas em relação ao potencial da tecnologia. No entanto, estamos plenamente conscientes de que a inovação deve ser realizada de forma responsável, especialmente em relação a tecnologias inovadoras que estão em desenvolvimento, as quais muitas vezes não conseguimos antecipar ou prever a longo prazo.

A Microsoft adota regras e regulamentos internos para o desenvolvimento de Inteligência Artificial desde 2017. Recentemente, saudamos o acordo provisório da União Europeia sobre o Regulamento de Inteligência Artificial. Tudo o que fazemos ao nível dos produtos é guiado por um conjunto de princípios que chamamos de ‘Inteligência Artificial Responsável’. Esses princípios abrangem transparência, confidencialidade, privacidade, justiça dos algoritmos e inclusão, e procuramos incorporá-los nas nossas ferramentas e soluções de mercado.

Entendemos que, embora estes princípios sejam importantes, por si só não resolvem tudo. A tecnologia, se usada com más intenções, pode ter impactos negativos. Por exemplo, nos serviços de cloud Microsoft, como o Azure, implementamos algoritmos de Inteligência Artificial para moderar e detetar conteúdos ofensivos e racistas. Estamos constantemente a trabalhar em mecanismos para proteger os utilizadores, mas reconhecemos que salvaguardas não são suficientes.

Além das questões tecnológicas, reconhecemos a importância da literacia das pessoas que utilizam estes algoritmos. É crucial investir tanto em salvaguardas e regulamentações quanto em educação. No âmbito da literacia, destacamos a necessidade de manter o pensamento crítico ao utilizar esta tecnologia. A responsabilidade última continua a ser humana.

A mudança ativa de papéis na implementação da inteligência artificial é notável. Não mais apenas implementamos algoritmos de Machine Learning e deixamos a IA operar, agora, temos um papel ativo, exigindo responsabilidade contínua. Isto destaca a relevância da capacitação para os utilizadores desta tecnologia.

Empresas, especialmente as que já adotaram soluções de Inteligência Artificial, demonstram preocupação em garantir a formação adequada dos utilizadores. Projetos complexos, como aqueles com o Ministério da Justiça, enfatizam a necessidade de curadoria da informação e testes abrangentes.

Os passos seguintes incluem sensibilização dos utilizadores, planos de adoção e formação para garantir uma utilização eficiente e responsável desta tecnologia.

Estamos a duas semanas do “Building the Future” que terá a IA como estrela principal. Pode levantar um pouco do véu do que podemos esperar do maior evento de transformação digital em Portugal?

Nesta edição esperamos mais de 75.000 participantes. É sem dúvida, o evento à escala nacional mais importante da transformação digital. Esta sexta edição vai realizar-se no, remodelado, convento do Beato, nos dias 21 e 22 de fevereiro. Decorrerá em modo híbrido, o que significa que se vai ter uma audiência enorme, no limite, sem limite. Todos os que quiserem podem aceder de forma gratuita a todos os conteúdos.

É crucial compreender como as tecnologias, em particular a Inteligência Artificial, impactarão em quatro pilares fundamentais. Designamos estes pilares como o human superpowers, organizações cada vez mais inteligentes, o impacto social e a transformação organizacional. É de suma importância compreender como está a IA influencia estes quatro pilares. Vamos por isso contar com oradores de renome nacional e internacional. 

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