Cibersegurança em Alta Tensão: O Oportuno Choque de Abril

No passado dia 28 de abril de 2025, Portugal, Espanha e partes de França ficaram às escuras durante mais de dez horas, num apagão de eletricidade generalizado que paralisou transportes, comunicações, serviços essenciais e até as infraestruturas de governo.
30 de Abril, 2025

Em Lisboa, os semáforos deixaram de funcionar, os comboios pararam, os aeroportos suspenderam operações e os hospitais passaram a depender exclusivamente de geradores de emergência. As redes móveis entraram em colapso, os pagamentos eletrónicos tornaram-se inúteis e a rádio, alimentada por baterias, voltou a ser o meio de comunicação mais fiável — num cenário que parecia retirado de um ensaio distópico, mas que foi real, vivido por milhões de pessoas num país que, horas antes, funcionava com normalidade.

Apesar de as causas do apagão ainda estarem por identificar — e tudo indicar que não se tratou de sabotagem nem de ciberataque —, o que este acontecimento revelou é mais importante do que o que o causou: a nossa profunda e generalizada dependência de sistemas digitais, elétricos e interconectados. Vivemos hoje numa sociedade em que uma falha técnica, num ponto aparentemente isolado, pode gerar efeitos em cascata, interrompendo o funcionamento normal de um país. E embora neste caso não tenha havido intenção maliciosa, o episódio mostrou, com crueza, como um incidente com características semelhantes poderia ser explorado por agentes com motivações criminosas ou geopolíticas.

É precisamente neste ponto que o mais recente relatório da Surfshark, publicado dias antes do apagão, adquire um significado ainda mais relevante. O estudo aponta que, apenas no primeiro trimestre de 2025, Portugal registou 161.100 contas de utilizadores violadas — o 32.º número mais elevado do mundo — e que, desde 2004, foram comprometidos mais de 263 milhões de registos pessoais no nosso país, incluindo 48 milhões de palavras-passe. Cada cidadão português já foi, em média, vítima de violação de dados oito vezes. O diagnóstico é claro: o risco digital não é uma possibilidade futura. É uma realidade presente, recorrente e crescente.

Mas há uma leitura alternativa que importa sublinhar. Estes acontecimentos, que à superfície parecem apenas ameaçadores, podem representar um ponto de viragem — uma oportunidade estratégica para repensar a economia digital, a infraestrutura nacional e, sobretudo, o papel do ecossistema de inovação. A vulnerabilidade que o apagão revelou não tem de ser paralisante. Pode e deve ser um catalisador de mudança.

Estamos a viver o momento em que Portugal pode transformar esta fragilidade em força. A procura por soluções de cibersegurança, resiliência energética, comunicação segura e infraestruturas críticas inteligentes está a crescer a um ritmo sem precedentes. E o país, com o seu talento técnico, redes de incubação consolidadas, proximidade entre universidades e empresas e um histórico recente de inovação tecnológica, tem todas as condições para se posicionar como produtor e exportador de soluções nesta área. Startups capazes de desenvolver sistemas de backup autónomos, redes de comunicação alternativas, plataformas de resposta a emergências e ferramentas de gestão de riscos digitais encontrarão um mercado interno exigente e um mercado global ávido.

Esta transição pode e deve também ser acompanhada por um forte investimento na formação e requalificação de profissionais. A escassez global de talento em cibersegurança e engenharia de sistemas críticos é uma oportunidade para o país criar polos de capacitação de excelência, capazes de formar jovens para as profissões do futuro e de reconverter especialistas de outras áreas para responder a uma nova geração de desafios tecnológicos. Temos bons exemplos, como a C-Academy – desenvolvida pelo Centro Nacional de Cibersegurança -, mas mais e melhor é necessário.

A oportunidade vai além da tecnologia. Envolve também cultura organizacional, literacia digital e liderança política. A cibersegurança e a resiliência devem ser integradas nos planos de negócio, nos currículos escolares, nas políticas públicas e nas estratégias de desenvolvimento económico. Só assim Portugal deixará de reagir a crises para passar a antecipá-las — e, idealmente, a liderar a sua prevenção a nível europeu.

O apagão de abril foi, em simultâneo, uma metáfora e um aviso. Mostrou o quão frágil pode ser a base da vida moderna quando os sistemas que a sustentam falham. Mas mostrou também algo mais valioso: que existe espaço — e necessidade urgente — para fazer melhor. Para construir uma sociedade mais robusta, mais segura e mais autónoma, ancorada numa inovação que não se limita ao conforto, mas que protege, previne e prepara.

Cabe-nos agora decidir se este momento será apenas uma memória incómoda ou o ponto de partida para um novo ciclo de transformação. O futuro joga-se agora. E é jogando com ambição, inteligência e colaboração que o poderemos vencer.

Rui Nuno Castro é director da inCoimbra StartUp HUB e co-founder da alphaCoimbra

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