A relação entre os Estados Unidos e a China dá um novo passo em direção à contenção tecnológica, com a administração Biden a avançar com regras restritivas sobre investimentos em inteligência artificial, semicondutores, microeletrónica e tecnologias quânticas na China. Com implementação prevista para 2 de janeiro, as novas regras visam garantir que tecnologias americanas de ponta não acabem por fortalecer as capacidades militares e de vigilância de Pequim. É um movimento sem precedentes na gestão dos fluxos de investimento e que revela a crescente preocupação do governo norte-americano em proteger áreas críticas para a sua segurança nacional.
A proposta inicial destas restrições foi lançada em junho pelo Departamento do Tesouro e formalizada em agosto de 2023 com uma ordem executiva assinada pelo presidente Joe Biden. O objetivo central é limitar o investimento norte-americano em setores estratégicos como IA, semicondutores e microeletrónica, áreas com elevado potencial para aplicações militares e de inteligência. As novas regras criaram o “Gabinete de Transações Globais” no Departamento do Tesouro, que vai supervisionar as transações para assegurar que os investimentos dos EUA em tecnologias de ponta não sejam utilizados para o desenvolvimento de capacidades cibernéticas, de segurança e militares estrangeiras.
Este regulamento incorpora uma “exclusão de investimento” para transações com valores mobiliários de empresas chinesas em bolsa, um detalhe crucial para acalmar os mercados financeiros. Porém, como assinalou a Comissão da Câmara dos Representantes sobre a China, os fluxos de investimento direcionados para empresas que contribuem para o desenvolvimento militar chinês já são alvo de escrutínio. As novas regras sublinham ainda o compromisso do governo americano em conter as vulnerabilidades que decorrem do investimento em setores sensíveis e das trocas de capital com empresas chinesas.
Esta limitação de investimento afeta particularmente setores de inovação avançada. Como declarou Paul Rosen, alto funcionário do Tesouro, a proibição abrange tecnologias que poderiam ser aplicadas em sistemas de vigilância, descodificação e aeronaves de nova geração. De acordo com Paul Rosen, em declarações a Reuters, “os investimentos americanos, incluindo benefícios intangíveis como a assistência em gestão e o acesso a redes de talento e investimento, não devem ser utilizados para auxiliar países de preocupação a desenvolver capacidades militares e cibernéticas”.
Embora a administração Biden esteja focada em questões de segurança nacional, o impacto destas medidas no setor privado norte-americano e na economia global é amplamente debatido. Empresas de tecnologia americanas e fundos de investimento veem estas restrições com alguma cautela, uma vez que a China representa um dos mercados de crescimento mais rápido em inteligência artificial e tecnologias avançadas. Em contrapartida, figuras como a secretária do Comércio, Gina Raimondo, sustentam que estas regras são indispensáveis para evitar que Pequim desenvolva tecnologias militares que possam, eventualmente, rivalizar ou mesmo superar as capacidades norte-americanas.
Estes desenvolvimentos ocorrem num contexto de crescente rivalidade económica e tecnológica entre as duas superpotências. Para muitos analistas, esta medida é vista como parte de uma estratégia de contenção mais ampla, onde o acesso da China a tecnologias avançadas é visto como um fator crítico que pode desequilibrar a balança da segurança global. SegundoGina Raimondo, a restrição de investimentos é fundamental para que os EUA mantenham a sua liderança tecnológica e para impedir que o know-how americano seja integrado em sistemas de defesa chineses.
As novas restrições refletem o endurecimento da postura norte-americana, com implicações importantes para a relação diplomática com Pequim. Os EUA não só visam restringir o acesso chinês a capacidades tecnológicas, mas também delineiam uma política de desconfiança estratégica, evidenciando a importância da tecnologia no poder geopolítico contemporâneo. Com a criação destas regras, Washington envia uma mensagem clara de que está disposto a proteger os seus ativos tecnológicos e a manter a China sob vigilância.
O impacto destas restrições pode ter repercussões profundas na relação económica entre os dois países, gerando uma potencial onda de resposta regulatória por parte de Pequim e um aumento da desconfiança mútua. Adicionalmente, esta política poderá afetar empresas tecnológicas e investidores globais que operam nas duas economias, aumentando os custos de conformidade e limitando oportunidades de expansão. A postura de contenção da administração Biden em relação ao investimento em tecnologias sensíveis na China é um reflexo do novo paradigma das relações internacionais, onde o domínio tecnológico define a segurança e a influência geopolítica. Este regulamento marca um ponto de viragem na política de Washington, que, ao proteger o seu capital e know-how, estabelece uma linha vermelha na competição com a China. As implicações para a economia global e para a diplomacia sino-americana só serão totalmente percebidas nos próximos anos, mas uma coisa é certa: a era da partilha aberta de tecnologia entre as duas maiores potências tecnológicas do mundo pode estar a chegar ao fim.
Com informação Reuters