O pequeno país báltico com apenas 1,4 milhão de habitantes, tem sido historicamente um gigante na cena tecnológica global. Agora, com a guerra na Ucrânia e a crescente tensão na fronteira leste da NATO, o país lidera um movimento inovador: investidores tecnológicos privados estão a canalizar recursos para startups de defesa, transformando o setor militar de forma sem precedentes.
A urgência é evidente. A Estónia e os seus vizinhos bálticos, que passaram décadas sob dominação soviética, encaram a ameaça russa com uma intensidade distinta do restante continente europeu. “Filosoficamente, os estonianos pensam todos os dias em como defender o país”, afirmou Sten Tamkivi, a Reuters, um dos primeiros executivos da Skype e atual investidor de capital de risco.
O capital patriótico
Tamkivi e Taavet Hinrikus, cofundador da TransferWise (hoje Wise), decidiram aproveitar a plataforma de investimento Plural, avaliada em 800 milhões de euros, para apoiar startups na área da defesa. “Nunca pensámos em investir especificamente na defesa, mas a tensão crescente na frente oriental da NATO tornou-se tangível”, disse Tamkivi, a Reuters. O movimento é uma resposta ao aumento da procura por tecnologias de defesa e à crescente atenção de investidores estrangeiros ao setor.
Em julho de 2024, a Plural participou na ronda de financiamento de 450 milhões de euros da Helsing, uma empresa alemã especializada em inteligência artificial para sistemas de defesa e segurança nacional. Já em 2025, o fundo fechou outro investimento na área.
Os números refletem esta tendência: segundo a Dealroom.co, a percentagem de investimento europeu em tecnologia de defesa aumentou de 0,4% do capital de risco em 2022 para 1,7% em 2024, ultrapassando os mil milhões de dólares. Apesar da maior parte do capital ser investido na Europa Ocidental, o número de rondas de financiamento na Europa Central e de Leste triplicou desde o início da guerra na Ucrânia.
A vantagem Estónia
A Estónia, membro da União Europeia e um dos países mais digitalizados do mundo, tornou-se um epicentro deste fenómeno. Graças a um ecossistema tecnológico vibrante que deu origem a unicórnios como Skype, Bolt e TransferWise, o país viu um crescimento significativo de startups focadas na defesa.
A proximidade com a Ucrânia permite testes rápidos e implementações de tecnologia no campo de batalha. Além disso, enquanto em países como a Polónia muitos fundos de investimento recebem capital público e são proibidos de investir diretamente em projetos militares, na Estónia o financiamento é predominantemente privado, permitindo um enfoque mais agressivo em tecnologias exclusivamente militares.
Do campo tecnológico para o campo de batalha
Ragnar Sass, fundador do consórcio Darkstar, composto por empreendedores tecnológicos e antigos oficiais militares, afirma que o foco é a implantação rápida de tecnologias para a linha da frente. “Câmeras térmicas para drones, sistemas de software avançados — tudo o que possa ser rapidamente testado e usado na Ucrânia tem grande apelo”, disse a Reuters. O consórcio recentemente investiu na startup Farsight, especializada em análise de dados para drones.
O número de startups de defesa na Estónia disparou de 10 para cerca de 100 nos últimos anos, segundo Sass. “Nos últimos meses, houve uma mudança significativa na perceção dos investidores. Nunca vi um setor desenvolver-se tão rapidamente”, acrescentou.
Um novo paradigma de investimento
O crescente interesse do capital de risco pelo setor de defesa pode preencher uma lacuna crítica de financiamento. Investidores apontam que startups de defesa têm dificuldade em obter empréstimos bancários, devido a preocupações relacionadas com regulações ambientais, sociais e de governança (ESG). “Achávamos que haveria poucos projetos para financiar, mas o volume cresce todos os meses”, disse à Reuters Vojta Rocek, parceiro da Presto Ventures, fundo de 150 milhões de euros com foco na defesa.
Há governos que também estão a reagir. Na Chéquia, um programa governamental começou a cofinanciar pequenas empresas do setor, e na Estónia, o governo lançou recentemente um fundo de 100 milhões de euros para apoiar startups de defesa. “Defender um país pequeno é caro. Precisamos ser inteligentes e apostar nas áreas onde somos fortes — e essa força está na tecnologia”, disse à Reuters Sille Pettai, CEO da SmartCap, que gerirá o fundo.
O objetivo a longo prazo é claro: atrair investidores globais para um ecossistema inicialmente financiado por “capital patriótico” — as fortunas acumuladas pelos pioneiros do setor tecnológico estónio. O setor de defesa do país pretende atingir uma receita de dois mil milhões de euros até 2030, quadruplicando o valor atual.
O futuro militar tecnológico
A Estónia não é apenas um país pequeno que aposta na tecnologia; é também um exemplo de como o setor privado pode redefinir estratégias de defesa. Perante a incerteza geopolítica e o risco crescente no flanco oriental da NATO, os investidores do país estão a moldar o futuro da guerra moderna, armando-se não apenas com soldados e tanques, mas com algoritmos, IA e inovação de ponta.
Com informação Reuters