A Defesa Nacional também se faz no digital

A cibersegurança emerge assim como o escudo da soberania moderna. Deixou de ser uma preocupação periférica para se tornar um elemento estrutural da segurança nacional.
29 de Abril, 2025

Num mundo em que os conflitos deixaram de se travar apenas com tanques, a soberania dos Estados passou a depender cada vez mais da sua capacidade de proteger o invisível: dados, redes, infraestruturas digitais, sistemas de informação e plataformas de comunicação. A cibersegurança, outrora um domínio técnico reservado aos especialistas, é hoje um instrumento essencial de defesa nacional, uma ferramenta de política externa e um garante da integridade democrática. Sem ela, a soberania torna-se uma ilusão frágil, sujeita à manipulação e ao controlo externo.

O conceito de soberania digital tem vindo a ganhar expressão à medida que as nações compreendem que a sua independência tecnológica, o controlo sobre os dados dos seus cidadãos e a gestão segura das infraestruturas críticas são pilares fundamentais da sua autonomia. Já não basta garantir a integridade territorial: é necessário assegurar que os dados circulam em redes seguras, que os sistemas de governo e de justiça não são vulneráveis a ataques cibernéticos e que as plataformas digitais que moldam a opinião pública não estejam ao serviço de interesses estrangeiros ou obscuros.

Os Estados que investem em capacidades cibernéticas robustas protegem não apenas os seus sistemas, mas também a sua capacidade de tomar decisões autónomas, sem chantagens ou vulnerabilidades externas. A defesa digital tornou-se tão crítica como a defesa aérea ou marítima.

Os exemplos são cada vez mais numerosos e preocupantes. Ciberataques a infraestruturas energéticas, hospitais, sistemas de transporte e até parlamentos mostram como a vulnerabilidade digital pode ter impactos reais e devastadores. A guerra na Ucrânia demonstrou de forma inequívoca que os ataques informáticos são parte integrante da estratégia militar moderna, utilizados para desestabilizar, confundir e desmoralizar. Mas não é só nas frentes de guerra declaradas que estes ataques ocorrem. A manipulação de massas através de redes sociais, a disseminação de desinformação coordenada e a espionagem digital são fenómenos cada vez mais comuns em democracias ocidentais.

Portugal não está imune a esta realidade. Pelo contrário, tem sido alvo de episódios particularmente preocupantes. Em 2022, documentos classificados da NATO estiveram à venda na dark web após um ataque cibernético ao Estado-Maior-General das Forças Armadas. Pior ainda: as autoridades portuguesas não foram sequer capazes de detetar a intrusão — foi um serviço de inteligência, dos Estados Unidos, que alertou para o incidente. Mais recentemente, surgiram indícios de novos ciberataques na Defesa, com suspeitas de que mais documentos sensíveis tenham sido exfiltrados. Estes episódios revelam uma dependência preocupante num momento geopolítico sensível, em que a dissuasão e a resiliência digital são ativos estratégicos indispensáveis.

Apesar disso, falhamos reiteradamente na concretização dos investimentos planeados. Essa incapacidade de corresponder ao desafio, seja por inércia administrativa, falta de visão estratégica ou ausência de prioridade política, coloca-nos numa posição frágil no seio da comunidade internacional — e deixa-nos expostos.

Perante esta realidade, a resposta dos Estados tem sido progressiva, mas por vezes insuficiente. Muitos países começam a estruturar estratégias nacionais de cibersegurança, a criar centros de resposta a incidentes e a investir em capacidades de defesa e ataque cibernético. Ao mesmo tempo, cresce a necessidade de cooperação internacional para combater ameaças que não conhecem fronteiras. Encontrar o equilíbrio entre segurança partilhada e independência digital é um dos grandes desafios do nosso tempo.

Portugal, apesar de ter dado passos importantes, ainda enfrenta um caminho exigente nesta matéria. A dependência de tecnologias externas, a escassez de profissionais qualificados e a falta de literacia digital generalizada são entraves significativos. Urge reforçar a capacitação nacional em cibersegurança, investir na formação de talentos, apoiar as empresas na adoção de boas práticas e desenvolver uma regulação inteligente que proteja sem sufocar a inovação. É fundamental que o país desenvolva uma visão estratégica de soberania digital que não dependa exclusivamente de terceiros e que valorize o controlo nacional sobre infraestruturas críticas e dados sensíveis.

No final, a verdade é simples e contundente: sem cibersegurança, não há soberania. Um Estado vulnerável no espaço digital é um Estado exposto, condicionado e, em última instância, limitado na sua capacidade de decidir e de proteger os seus cidadãos. Num tempo em que a guerra também se faz por algoritmos e redes, proteger o digital também é Defesa Nacional.

Rui Ribeiro é Consultor em Tecnologia e Gestão. Especialista em projetos de transformação digital.